‘Máfia dos concursos’: como funcionava o esquema que vendia vagas por até R$ 500 mil
Uma operação da Polícia Federal revelou um esquema de fraudes em concursos públicos que funcionava de forma estruturada e familiar, com atuação em diversos estados do país. O grupo, que teria origem em Patos, no sertão da Paraíba, é acusado de comercializar aprovações em certames nacionais, cobrando valores que chegavam a meio milhão de reais por vaga.
A investigação, batizada de Operação Última Fase, mostrou que os criminosos utilizavam tecnologias avançadas, como pontos eletrônicos implantados cirurgicamente, e chegavam a obter gabaritos antes das provas. O caso reacendeu o debate sobre a vulnerabilidade dos sistemas de seleção pública no Brasil.
- O que foi descoberto pela Polícia Federal
A PF identificou uma rede altamente organizada, com base em Patos (PB) e ramificações em vários estados. O grupo oferecia aprovações “garantidas” em concursos públicos, utilizando recursos tecnológicos e artifícios de corrupção.
Os valores cobrados variavam conforme o cargo, podendo atingir R$ 500 mil por vaga. A eficácia era demonstrada pelos próprios líderes, que faziam provas e conseguiam aprovação para provar a “eficiência” do método.
- Quem eram os principais integrantes
O núcleo do esquema seria composto pela família Limeira, tendo como figura central Wanderlan Limeira de Sousa, ex-policial militar expulso da corporação em 2021. Ele é apontado como o articulador principal, responsável por negociar com candidatos e distribuir gabaritos.
Entre os demais integrantes estariam Valmir Limeira de Sousa, Antônio Limeira das Neves, Geórgia de Oliveira Neves e Larissa de Oliveira Neves — todos com papéis específicos dentro da estrutura.
A PF também identificou outros nomes que reforçam o caráter nacional da fraude: Ariosvaldo Lucena de Sousa Júnior, Thyago José de Andrade, Laís Giselly Nunes de Araújo e Luiz Paulo Silva dos Santos, este último apontado como envolvido em mais de 60 concursos fraudulentos.
- Como funcionava o esquema
As fraudes combinavam sofisticação tecnológica e interferência humana. O grupo usava pontos eletrônicos implantados nos ouvidos dos candidatos, com auxílio de profissionais da saúde, para permitir comunicação durante as provas.
Em outros casos, havia dublês, pessoas treinadas para realizar o exame no lugar do verdadeiro candidato, e mensagens codificadas para transmissão de gabaritos. Os resultados eram tão uniformes que candidatos apresentaram gabaritos idênticos, inclusive nos erros, mesmo com provas de tipos diferentes.
- Quanto cobravam e como o dinheiro era lavado
O grupo cobrava de R$ 100 mil a R$ 500 mil, dependendo do cargo. Os pagamentos eram feitos em dinheiro, ouro, veículos e até serviços odontológicos. A lavagem de dinheiro ocorria por meio de depósitos em espécie, compra de imóveis simulada, uso de laranjas e movimentações ligadas a uma clínica odontológica em Natal (RN), pertencente a um dos suspeitos.
Em um caso, parte do valor referente a uma vaga na Caixa Econômica Federal foi quitada com a compra de uma motocicleta registrada em nome de terceiros.
- Havia servidores envolvidos?
A PF não identificou envolvimento direto de bancas organizadoras, mas apontou indícios de participação de servidores públicos, profissionais da saúde e intermediários locais.
Esses agentes seriam responsáveis por facilitar o acesso a informações sigilosas, realizar implantes dos dispositivos e intermediar negociações com candidatos interessados nas fraudes.
- Quais concursos foram atingidos
A organização teria atuado em diversos concursos nacionais entre 2015 e 2025, incluindo certames da Polícia Federal, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, UFPB, Polícia Civil e Militar e o Concurso Nacional Unificado (CNU).
No CNU de 2024, pelo menos dez candidatos teriam sido beneficiados diretamente.
Entre os nomes citados estão Eduardo Henrique Paredes do Amaral, Allyson Brayner da Silva Lima, Mylanne Beatriz Neves de Queiroz Soares, Janaína Carla Nemésio de Oliveira, Aially Soares Tavares Pinto Xavier, Júlio Cesar Martins Brilhante e Isabelle Nayane de Medeiros Dantas Aires.
- Outras figuras importantes
Além dos Limeira, Ariosvaldo Lucena, policial militar e dono de clínica odontológica, teria auxiliado na lavagem de dinheiro.
Thyago José de Andrade, conhecido como “Negão”, seria o responsável pelo controle financeiro, enquanto Laís Giselly, sua companheira, teria participado de 14 concursos suspeitos. Luiz Paulo Silva dos Santos aparece como veterano nas fraudes, com histórico em mais de 67 concursos, e é apontado como peça-chave na logística do esquema.
- Quais provas a PF reuniu
As evidências incluem gabaritos idênticos, áudios interceptados, mensagens codificadas, movimentações financeiras incompatíveis e comprovantes de pagamentos. Segundo a PF, quatro dos investigados apresentaram respostas iguais, inclusive nos erros, em provas diferentes do CNU.
A probabilidade de coincidência foi descrita por peritos como “estatisticamente impossível” — comparável à chance de vencer a Mega-Sena 19 vezes seguidas.
- Quais medidas foram tomadas
A Operação Última Fase, deflagrada em 2 de outubro, cumpriu três mandados de prisão preventiva e vários de busca e apreensão. Os candidatos aprovados de forma fraudulenta tiveram posses suspensas, e alguns servidores foram afastados cautelarmente.
O juiz Manuel Maia de Vasconcelos Neto, responsável pelo caso, destacou que o grupo contava com especialistas de várias áreas para fazer provas no lugar dos contratantes — e que o custo por vaga ficava, em média, em R$ 300 mil.
- O que dizem os investigados
As defesas negam envolvimento no esquema.
Os advogados de Ariosvaldo Lucena afirmam que as acusações são baseadas em indícios e que a inocência será provada no curso do processo. Representantes de Antônio, Geórgia e Larissa Neves disseram que os três estão colaborando com as investigações.
Já Thyago José de Andrade e Laís Giselly sustentam que não participaram de nenhuma fraude e que provarão isso judicialmente. A defesa de Wanderlan e Valmir Limeira aponta ausência de provas concretas e critica a “culpabilização por parentesco”. Wanderson Gabriel, filho de Wanderlan, também nega as acusações e afirma ser vítima de “linchamento público”.
Leia também
Cinco concursos públicos com vagas em Goiás e com salários que passam dos R$ 8 mil
O post ‘Máfia dos concursos’: como funcionava o esquema que vendia vagas por até R$ 500 mil apareceu primeiro em Jornal Opção.