Felipe Neto expõe a fragilidade de iniciativas literárias baseadas em nomes de celebridades
Fui uma das pessoas que lá em 2024, quando vi o nome do Felipe Neto entre os convidados da programação principal da Flip, fiquei surpresa e até mesmo torci o nariz para a inusitada escolha.
Essa Flip, que homenageava João do Rio, ainda é uma das minhas favoritas e saí dela totalmente esperançosa sobre o mercado livreiro e o idealismo que parecia existir em Felipe Neto.
Pensando e escrevendo sobre essa Flip dias depois, até falei sobre a ousada e inteligente estratégia de Ana Lima Cecílio, a curadora daquela edição, ao convidá-lo para compor uma mesa com a jornalista e escritora do livro “A máquina do ódio”, Patrícia Campos Melo, com mediação da premiada com o Esso, Petrobrás e Embratel, a também jornalista Fabiana Moraes, em uma mesa chamada “Como enfrentar o ódio”.
Ana Lima é uma árdua defensora de se comprar livros em livrarias. Comprar de quem ama livros e não de bilionários que vão a lua e apoiam Trumps por aí. Então, teoria minha, acredito que o convite à Felipe veio na tentativa de atrair um aliado na luta pela regulamentação dos preços dos livros e apoiar as pequenas livrarias, invés da Amazon.
Durante a mesa, essa causa, uma das várias debatidas, ganhou o apoio, a atenção e o compromisso de Felipe Neto para a Lei Cortez (resumidamente, é a regulamentação do preço de capa dos livros durante o primeiro ano, onde os lançamentos tem preços tabelados e praticados igualmente por todos), já que ele divulgava a Amazon como link de compra para seu próprio clube do livro. Compromisso nunca selado ou concretizado.
Na época, o “Clube de Livro FN” tinha mais de cem mil inscritos. Com uma taxa de R$62/mês, dizia ser “seu novo clube para debate e reflexões literárias”. Havia conteúdos exclusivos: aulas, lives, vídeos, app e site com material complementar, além de uma comunidade para discussão dos livros.
Então, teve o comunicado do fim do Clube de Felipe, indignando vários assinantes devido ao modo e prazo que foram estabelecidos por ele, para encerramento total. Anunciado por uma live no dia 04 de setembro, toda a equipe que compunha o clube foi demitida.
O motivo, segundo fontes do mercado, o clube “não era lucrativo.”
Algumas matérias que li sobre o assunto, profissionais ligados ao projeto disseram que “não se acertou a mão no formato e na estrutura do produto”. Então me pergunto: o que seria “acertar a mão”, em um mercado tão difícil e peculiar, quanto clubes de livros?
Nesse sentido, tem-se os custos operacionais com curadoria, produção de conteúdo especializado e manutenção que excedem o que, talvez, a receita consiga cobrir.
O clube do Felipe Neto tinha um impacto editorial, já que alguns dos livros escolhidos chegavam até os mais vendidos, assim como o clube de livro do Bookster (Pedro Pacífico), o “Bookster pelo mundo”.
As opiniões entre a comunidade livreira na internet foram quase unânimes: oportunismo (afinal, ao participar da Flip, seu livro ficou algumas semanas entre os mais vendidos), uso de pautas sociais para capitalizar, “efeito influenciador” (impacto da leitura ser pontual, dependente de uma “celebridade” para ter adesão substancial), perda da identidade literária (privilegiando o “alcance” ao invés de manter critérios literários, diversidade e profundidade), etc.
Durante a Flip, ele afirmou que acredita no poder da literatura como ferramenta de resistência, especialmente contra autoritarismo, desinformação, fake News e manipulação digital.
Afinal, se ele defendia isso, porque não permanecer com o clube, mesmo que inviável, já que dinheiro não é um problema para o Felipe Neto, muito diferente da maioria das pessoas que trabalham com o mercado de livros?
Ao mesmo tempo, me questiono: como é possível que, justamente entre aqueles que vivem e conhecem tão bem os desafios do mercado literário, persista uma visão romantizada e idealizada dele?
Falo isso no lugar de grande idealista que sou, que sempre sonhei e ainda romantizo muito, esse mercado livreiro. Mas as contas precisam ser pagas, a vida custa e nada é de graça.
Então, qual o problema de sair fora quando algo não dá lucro?
Talvez a forma como tenha sido encerrado? Abruptamente, sem um preparo e por meio de “terceiros”? Talvez uma dose sim, de oportunismo?
Ok, mas precisamos acabar e refletir sobre essa ideia romantizada do mercado livreiro.
Eles precisam ser viáveis financeiramente, precisam pagar as contas, precisam ser divulgados por quem os faz e, idealmente, também por quem participa, furando um pouco a “bolha” em que está inserida. Precisam de uma comunidade envolvida, a consciência do trabalho, tempo, dedicação que envolve um clube de livro, seja de que forma e estrutura for.
E tudo relacionado a clubes de livros envolvem equipe, tecnologia, produção de conteúdo, curadoria, marketing, tempo. Tudo isso tem custo: monetário e emocional.
Novamente: Qual o problema de querer ganhar dinheiro com os livros? Por que ainda persiste essa ideia que é “feio” querer viver de livros? Por que o pessoal do livro se incomoda tanto com isso?
Afinal, livreiros, editores, escritores também comem. Essa crença entre o meio literário que devemos viver de amor e altruísmo, como se não pudesse e nem devesse ganhar dinheiro, lucrar com os livros.
Por outro lado, ao encerrar seu clube com pouco mais de um ano, Felipe Neto expõe a fragilidade de iniciativas literárias e educativas baseadas em nomes e personalidades. Pois quando não correspondem ao mercado, e aos lucros, os projetos rapidamente se esvaziam.
Dai a importância das livrarias locais, de rua e suas iniciativas de bibliodiversidade. Afinal, a maioria, como a Palavrear por exemplo, aposta em formatos e livros diferentes, para alcançar a diversidade de leitura de mundo (principalmente as que citei lá em cima, que foram as críticas ao Felipe Neto). A curadoria. A escolha dos livros, e como isso é importante.
O senso de comunidade que se cria em torno de um clube de livro é parte fundamental para sua permanência, mas não só. Também precisa de divulgação, mais participantes, mais leitores, mais frequentadores, mais clientes.
Assim, fica aqui o dilema: de um lado, a necessidade de desaromatizarmos o mercado literário e compreender que projetos culturais também precisam ser financeiramente sustentáveis.
De outro, a importância de sermos mais críticos, não deixarmos “celebridades” esvaziarem pautas e projetos essenciais para a formação de uma sociedade mais preparada eticamente.
Inegável que Felipe, com seu carisma, sua enorme audiência e capacidade de mobilizar muita venda, teve um trunfo raro no mercado editorial. Comparável, ouso dizer, ao Bookster. Ele chega perto desse impacto? Talvez, mas basta uma olhadinha em seu Instagram para perceber que nem só de livros vive um Publisher.
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