Entrevista: Luiz de Aquino chega aos 80 anos com livro de contos pronto e um de poesia a caminho (parte 3)
O Jornal Opção publica a terceira e última parte da entrevista do poeta, prosador, jornalista e crítico literário Luiz de Aquino, que completou 80 anos no dia 15 de setembro deste ano.
Criador irrequieto, Luiz de Aquino revela que está com um livro de contos pronto — à espera do sinal de uma editora. Também escreveu parte de uma coletânea de poemas. Sinal de que continua altamente produtivo.
Luiz de Aquino é um dos melhores poetas brasileiros. O que falta é divulgar mais sua obra no país. Quer dizer, o que escasseia não é qualidade, e sim fortuna crítica nacional. Enquanto críticos ditos nacionais — na verdade, todos são — não examinam a poesia e a prosa de criadores de Estados apontados como periféricos suas obras não chegam às grandes editoras e, por isso, aos leitores de todos os Estados.
Se publicado por Companhia das Letras, Record, Todavia e Iluminuras — talvez a melhor editora de poesia do país —, Luiz de Aquino rapidamente se tornaria um autor canônico no país. Sua poesia modernista, que não rompe com o lírico — e sim com o pieguismo do lírico —, está pronta para os bons leitores, que, felizmente, ainda existem.
Ademir Luiz
Especial para o Jornal Opção
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O título de seu livro “Ah, Língua Brasileira!” é significativo. Por que não “Ah, Língua Portuguesa!”? Esse título, e por consequência o livro, é uma defesa da independência do idioma que se desenvolveu ao longo dos séculos em nosso país?
Sim, sim… acredito que você já respondeu por mim [sorrindo]. Você sabe, os nossos livros de história não contam (ou não contavam, até o tempo em que eu acompanhava o que se passava nas escolas) como se deram os encontros dos navegantes adventícios, no século XVI. As expedições ultramarinas dos portugueses eram complexas, não se compunham somente de marujos e soldados, mas de religiosos com formação acadêmica. Aqueles padres eram mais que simples religiosos (os jesuítas), eram também educadores e, parece-me, percussores dos atuais sociólogos e, ao que tudo indica, também filólogos. Ostentavam, figurativamente, uma bandeira de catequistas, mas iam além de “conquistar novas almas para Cristo”, captaram as línguas dos nossos indígenas e conseguiram sufocar conflitos, a ponto de promover um convívio harmonioso, além do propósito escravagista (sim, conseguiram escravizar alguns nativos), mas também formalizaram regras de convivência e, com alguma positividade, aqueles jesuítas criaram novas línguas para o entendimento entre invasores e originários – as tais “línguas gerais”.
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O que diz sobre os bandeirantes?
Para exemplificar, os bandeirantes que no século XVIII chegaram à terra dos índios goiá não eram portugueses, mas, na maioria, mamelucos paulistas (hoje, paulistanos) e falavam a ‘língua geral’. Eram poucos, pois, os nascidos no Brasil que falavam português — possivelmente, só mesmo aqueles cujos pais os enviavam a Coimbra para cursar a universidade e os padres, formados nos seminários mantidos somente para a formação religiosa. Há registros da presença de letrados (os que passaram pela universidade) na capital da colônia (Rio de Janeiro) e Salvador — mas geralmente esses letrados preferiam estar espalhados nos locais das minas de ouro.
A língua portuguesa é oficializada no Brasil somente após a proclamação da Independência, na Constituição de 1824. Isso explica as diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal. A língua (isso se aplica a todas as línguas e em todos os tempos) é dinâmica, transforma-se com rapidez. E isso é tão mais frequente e tão mais ágil quanto maior sejam as relações entre os povos.
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O que tem a dizer sobre a padronização da língua brasileira e da língua portuguesa?
Nasci em 1945, ou seja, dois anos depois de um dos entendimentos entre os países lusófonos em busca das padronizações da escrita.
Em 1971, um acordo internacional eliminou os acentos diferenciais, dentre outras providências de menos monta. Explico: até aquele ano, acentuávamos algumas palavras homógrafas para demonstrar diferenças de categorias gramaticais ou de sonoridade. Exemplos: êsse (pronome demonstrativo) e esse (nome da letra S); êste (pronome demonstrativo) e este (ponto cardeal, o mesmo que leste). Podemos explicar, ainda, com uma frase: “Fôrma é um objeto que se usa para dar forma a algo”.
Uns anos antes da passagem do século, ou seja, há pouco mais de 30 anos, as nações lusófonas dedicaram-se a um novo acordo, que causou alongadas discussões e muitas rejeições, do que resultaram novas mudanças — desta vez, muito desagradáveis, como a extinção do trema. Nós ainda falamos “lingüiça”, mas não demora a ouvirmos, especialmente de pessoas mais novas, a pronúncia “linguiça” (sem a separação das vogais u-i). Afinal, sempre falo “circuito”, tal como está escrito, mas canso-me de ouvir, em rádios e tevês, jornalistas pronunciando “cirqüito”. O erro, entretanto, está na qualidade sofrível de alguns professores de Português; bastaria dizer aos alunos (a esta altura, aos profissionais da imprensa) que “circuito” se pronuncia de modo parecido com “descuido”.
A razão para o título, portanto, está nisso — no desleixo com que se trata a língua. Nos últimos anos, a impressão que se tem é que alguém inventou que o novo acordo da língua portuguesa aboliu o pronome oblíquo. Antes, as pessoas — ao menos os profissionais da língua — tinham vergonha de falar “viu ele”, “levou ela” etc., mas, atualmente, isso é chique.
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Em 2001 você lançou o livro “Meus Poemas do Século XX”, uma coletânea de sua obra poética publicada. E agora, em 2025, como avalia sua produção poética nas duas últimas décadas? Quais aspectos estéticos nortearam essa produção?
Sim, enfeixei seis livros num só volume. Naquela época, a humanidade — especialmente a humanidade adequada ao calendário romano — estava embevecida com a chegada do novo século e, curiosamente, entendendo que o novo milênio começava um ano antes. Uma estupidez coletiva? Não… a diferença era por demais oportuna para os marqueteiros do chamado mundo corporativo, isto é, eram duas mudanças para se criar muitas novidades e faturar-se em dobro. Assim, o ano 2000 chegou como se começasse ali, na contagem regressiva para o Ano-Novo como se estivesse, justo à zero hora do primeiro dia de janeiro de 2000, começando o Terceiro Milênio — mas o Ano-Novo do Século XXI começaria “no ano que vem”, que era o raiar de 2001.
Bem, era esse o clima. Em lugar de termos um super réveillon para festejarmos não um Ano-Novo comum, podíamos ter dois super réveillons para fomentar os eventos e até mesmo o turismo – por que não?
Aquele ar de festa me contaminou também, não a ponto de eu embarcar na onda mercantilista dos festejos dos dezembros, mas pensei, sim, num “divisor de águas”. Meu livro de poemas mais recente, naquele fim de século, era “Razões da Semente”. Não que este livro signifique uma mudança no processo evolutivo da minha escrita — essa mudança vem acontecendo, como tudo na vida, à medida que eu mesmo me transforme – como na máxima de Heráclito sobre o rio e o homem. Então, o meu rio muda na mesma escala ou proporção que eu próprio mude, não é? A esse propósito, o saudoso amigo Herondes Cezar havia escrito um texto crítico comparando “Sinais da Madrugada” — o meu primeiro livro de poemas – e Razões da Semente; acho que foi esse texto de Herondes que motivou a coletânea.
Em 2014, juntei meus 11 livros de poemas num só novo volume. A sugestão foi de Iuri Rincon Godinho, eu até pensei num título diferente, mas Iuri insistiu com “Poesia Completa”. Descuidadamente embarquei nisso e, com o livro já em circulação, surpreendi-me: “Ué! Mas eu vou continuar a escrever poemas!” — só que, então, “Inês era morta”. Obviamente, o título certo seria “Poesia Reunida”.
O erro concretizou-se dois anos depois, quando o próprio Iuri me convidou para lançarmos uma parceria: tínhamos, ambos, livros prontos de poemas e escolhemos chamá-los de “Amor em Dose Dupla”; Alexandre Liah, querido e talentoso artista, pintou uma tela que Iuri dividiu ao meio, dando capas para nossas obras. Três anos depois, fiz uma segunda edição desse livro, substituindo dois poemas de que não gostei mais.
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Você tem organizado diversos “livros homenagens” dedicados à memória de acadêmicos da AGL falecidos. Qual o processo de editoração dessas obras? Quais já foram feitas?
A primeira iniciativa foi interessante: em 2008, faleceu o confrade José Luiz Bittencourt – advogado, jornalista e professor, político (foi vereador em Palmeiras de Goiás e Goiânia, deputado estadual, secretário de Estado duas vezes e vice-governador de Goiás, no governo Irapuan Costa Junior, 1975-78). Eu o havia entrevistado em 1994 para a série de “Onde anda?”, do “Diário da Manhã” (a que deu origem ao livro “Deu no Jornal”), o que nos aproximou bastante – ambos estudamos no Colégio Pedro II; fui aluno de dois de seus colegas de turma no CPII e, quando me candidatei à Academia Goiana de Letras (por duas vezes; na primeira perdi para Isócrates de Oliveira), tive a alegria de contar com seu voto.
Imediatamente após seu falecimento, notei que nos dois jornais diários da cidade, o “Diário da Manhã” e “O Popular”, vários amigos e admiradores publicaram crônicas e artigos para homenageá-lo. O que fiz? Cuidei de copiar todos aqueles textos laudatórios e corri à Editora Kelps; mostrei os artigos ao presidente da editora, Antônio Almeida, que foi decisivo:
– Pode organizar, vamos fazer o livro.
Fiquei em vigília pelas duas semanas que se seguiram e montei o livro, “José Luiz Bittencourt — Coletânea da Saudade”, sem consultar nenhum dos autores. Fiz uma surpresa bem planejada à AGL, aos autores dos textos e à família.
Ao falecer José Mendonça Teles, pouco antes do sepultamento encontrei o Antônio Almeida, no cemitério; ali mesmo combinamos prestar-lhe homenagem semelhante, mas por alguma razão de que não me recordo a organização do livro ficou a cargo do confrade Coelho Vaz. Participei, mas como autor de um dos textos.
Ocorre que, em 2015, propus à Academia uma série de ações em homenagem a quatro grandes autores goianos que, naquele ano, completariam centenário: José J. Veiga, Eli Brasiliense, Bernardo Élis e Carmo Bernardes. Na sequência, todos os anos fazíamos sessões especiais em homenagem aos confrades centenários. Assim foi no decurso dos mandatos de Getúlio Targino Lima e Lêda Selma de Alencar; mas veio a pandemia do Covid-19 e nossa série foi interrompida. Em 2023, porém, festejamos os centenários de Ana Braga e Bariani Ortencio. Ana faleceu meses antes das 100 velinhas, mas Bariani ultrapassou tal marca — faleceu cinco meses após o aniversário, em dezembro daquele ano.
Em 2024, faleceu o confrade Eurico Barbosa dos Santos. Recordei a experiência de 2008, quando pude homenagear José Luiz Bittencourt, e expus a ideia à confraria, o que foi aceito imediatamente, e publicamos “Tributo ao Tribuno Eurico Barbosa dos Santos”. Desta vez, aproveitei uma prática dos confrades Nasr Chaul e Edival Lourenço — Chaul faz montagens pitorescas com fotografias dos acadêmicos e Edival, que bem conhece o perfil de cada um de nós, compõe haicais bem-humorados. Uma dessas montagens ilustrou a capa desse livro.
Já em meados do segundo semestre do mesmo ano, faleceu Emílio Vieira. Confrades e confreiras manifestaram-se dispostos a um novo livro em louvor ao poeta, advogado e professor Emílio; e ainda juntávamos textos quando, subitamente, faleceram Martiniano José da Silva e Gilberto Mendonça Teles, em curto espaço de tempo. Decidimos, então, pela feitura de um só livro, que se chamou “Educadores e Acadêmicos — Emílio Vieira das Neves, Gilberto Mendonça Teles e Martiniano José da Silva”. Desta vez, foram duas as ilustrações de Chaul, com haicais de Edival Lourenço –— uma na capa, outra na contracapa. Este livro foi lançado em junho deste ano, com ótima receptividade na comunidade acadêmica e entre os familiares dos homenageados, ou seja, temos alcançado os propósitos.
Nos dias atuais, dedico-me à elaboração de mais uma obra, no mesmo sentido — a nossa homenagem ao saudoso acadêmico, professor e jurista Licínio Leal Barbosa.
“A humanidade tem nos decepcionado demais”
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O que tem escrito: em prosa e poesia?
Há um ano, concluí um livro de contos. No momento, procuro uma editora que se interesse em publicá-lo. E interrompi, por razões de problemas quotidianos, a produção de um novo livro de poemas. Tenho escrito textos avulsos — ora uma crônica, ora um texto de apreciação dos fatos da política nacional e das decepções com vultos nacionais e internacionais que, aptos a bem administrarem a coisa pública e melhorar as vidas em suas nações, escolhem o que se lhes parece mais fácil – a consolidação dos discursos de ódio, as práticas do egoísmo e da egolatria, em prejuízo de seus eleitores e pagadores de impostos.
A humanidade tem nos decepcionado demais, nos últimos tempos.
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2025 é o ano cultural Luiz de Aquino na Academia Goiana de Letras. Como avalia esse reconhecimento pela entidade cultural mais importante do Estado de Goiás?
Foi um susto ouvir a decisão, anunciada pelo presidente Aidenor Aires, amigo desde a juventude. Fui eleito em 1996 para a Cadeira 10, antes ocupada pelo notável escritor e grande amigo Carmo Bernardes. Gosto do ambiente acadêmico, convive-se com pessoas muito diferentes quanto ao que temos por visão de mundo. A afinidade maior está no amor às letras e aos livros. E ainda que muito diferentes, unimo-nos na defesa da literatura e dos projetos de nossos confrades e nossas confreiras. Tenho — como, de fato, todos o temos — um caminho já percorrido, uma história de vida já consolidada, nestas antevésperas do meu aniversário de 80 anos.
Sinto-me, muitas vezes, um tanto constrangido com homenagens, mas, se a homenagem acontece dentro do nosso próprio meio — seja na AGL, na UBE ou no IHGG —, recebo com humildade esses mimos, alguns colegas de ofício e companheiros de jornadas a gastar seu tempo para nos mostrarem fatos e coisas de que, muitas vezes, já nos esquecemos.
A Academia tem uma comissão, formada pelas confreiras Leda Selma e Maria Helena Chein (amigas muito queridas) e pelo confrade Miguel Jorge (este, um monumento das artes várias de Goiás, tido pela comunidade literária como um autor multigêneros — poeta, teatrólogo, contista, romancista, autor de ópera, crítico de artes etc.).
Essa comissão cuida dos eventos da AGL e, no meu caso, com este Ano Cultural Acadêmico Luiz de Aquino, desdobram-se em planejar eventos e formas. Já tivemos uma explanação, pelo jornalista e advogado Nilson Gomes Carneiro em que meus ofícios de escritor e de jornalista foram evidenciados, com destaque para algumas ocorrências de menor monta que trazem alguns fatos pitorescos.
Depois, tivemos uma sessão de leitura de poemas, pelos confrades Itaney Campos e Miguel Jorge; veio também um momento de apreciação crítica, da parte da escritora e crítica literária Jô Sampaio, Itaney Campos e Iuri Godinho; noutra sessão especial, fizemos o lançamento do já citado livro em homenagem a Emílio, Gilberto e Martiniano. No dia 14 de agosto, um fim de tarde com a música de João Marcelo e participações dos confrades Ubirajara Galli — falando de nossa trilha literária já percorrida —e Ademir Luiz, em estudo crítico de meu conto “Dentes de Ouro” (do livro “O Cerco”, 1978).
Como desdobramento deste Ano Cultural, o IHGG preparou uma exposição sobre minha vida e obra realizada. O Sesc de Goiás insere-me em seu calendário, como Destaque Literário; e a Academia Pirenopolina de Letras, Artes e Música (APLAM), da qual sou membro-fundador e ex-presidente, também programa uma homenagem a mim.
Além de tudo isso — e me sinto estranho com tantas homenagens, siô, que não me sinto tão merecedor —, acredito que terei uma outra, desta vez da parte do Pai Eterno: a graça intransferível de chegar aos 80 anos de vida, na mesma data de Bocage (1765), Agatha Christie (1890), Rubem Alves (1933) e Lya Luft: 15 de setembro.
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