Igreja da Velha Matriz de Catalão
Amin Safatle
Especial para o Jornal Opção
Lentamente, o Sol estava chegando para saudar um novo dia. Abro a cortina do quarto, respiro o ar puro da manhã e esfrego os olhos para melhor despertar. Do alto do edifício Ipê Cataluña, assisto aos primeiros raios solares refletindo suas cores suaves e douradas na torre da igreja da Velha Matriz.
Uma revoada de pássaros me transmite a leveza, a liberdade e a harmonia. Contra a luz do amanhecer, centenas de aves me saúdam com uma dança, uma poesia visual. O bater das asas e os cantos ecoam e criam uma trilha sonora natural, impressionante. A revoada evoca sentimentos de esperança, liberdade e conexão com a natureza, um momento de pausa e reflexão. A Igreja da Velha Matriz, da paróquia Nossa Senhora Mãe de Deus, renasce mais um dia na sua bênção e na sua glória.
De boné de cor laranja, óculos escuros, camiseta branca sem gola, calça jogging preta e tênis nos pés, fui até a Rua Professor Francisco Victor Rodrigues. Depois de pequena caminhada, aproximo-me da Praça Dom Emanuel, quando surge, por inteiro, a igreja da Velha Matriz de Catalão.
Sentei-me na mureta da praça sob a sombra do tempo, e deixei que meus olhos repousassem na Velha Matriz. Ali, entre pedras e memórias, a igreja permanecia silenciosa, mas cheia de vozes. As paredes gastas, manchadas de sol e saudade, guardam segredos em suas rachaduras – sussurros de casamentos antigos, lágrimas de promessas quebradas, e o riso leve de crianças correndo na grama depois da missa. Cada tijolo parecia guardar um segredo, cada vitral refletia lembranças que o tempo não apagou. Ali, entre o agora e o antes, meu coração encontrou abrigo. A velha Matriz não era só pedra e cal, era minha infância, meus avós, minhas histórias.
Uma torre única, erguida como um dedo apontando para o céu. Guardiã solitária dos segredos do tempo, vigia o silêncio das ruas com olhos de pedra e cruz. Não há outra ao lado – e talvez, por isso, ela se faça mais forte, mais fiel, como quem aprendeu a carregar sozinha o peso das promessas e das orações que sobem. Sua porta de entrada está voltada para a Rua da Grota e o Córrego do Almoço, dois ícones do nascimento da cidade. Essa torre, cheia de personalidade e encanto, mantém ao seu lado o marco geodésico (IBGE) de Catalão, em concreto, ainda pulsando, como o coração da cidade.
Os sinos, que choraram por filhos perdidos e cantaram por amores eternos, hoje repousam no alto, como um coração que descansa após uma longa vida de batidas e esperanças, das procissões que cruzavam as ruas de terra batida, das mãos calejadas em preces, dos olhares cheios de fé e esperança. Agora mudos por fora, os sons das batidas ainda ecoam por dentro de mim.
Lá dentro, o altar resplandece uma luz que não vem só do Sol, mas da esperança acumulada em cada reza sussurrada, em cada olhar voltado ao alto, pedindo por chuva, por cura, por amor, por paz. Ali, entre a sombra dos sinos, o cheiro da missa e o aroma do incenso, Catalão respira sua alma mais funda. É mais que pedra e argamassa – é altar da memória, onde o tempo se ajoelha diante da eternidade.
Sob o céu vasto do cerrado, a velha matriz se ergue serena, como quem já viu de tudo – guerras silenciosas de jagunços, papo roxo e papo amarelo, romarias de fé e festas que iluminavam a noite com o brilho das velas e o som dos violões. Nas janelas, o vento conta histórias que ninguém escreveu, mas que vivem nos olhos dos antigos, na fala cantada do povo simples e nas mãos calejadas que ainda traçam o sinal da cruz.
E, assim, diante da velha Matriz, sinto que não olho apenas para uma igreja – olho para o coração pulsante de Catalão, que bate no ritmo da fé, do tempo e da terra. E quando o Sol do entardecer encosta nela com seus dedos dourados, a torre parece respirar – viva, antiga, presente – como se dissesse: “Ainda estou aqui, Catalão, sou teu passado que não dorme”.
A Igreja da Velha Matriz de Catalão, também conhecida como Mãe de Deus, é um dos marcos históricos de Catalão, em Goiás. Sua história remonta ao século XIX e está profundamente ligada à formação da identidade religiosa e cultural da região. Num relance de magia, recorro aos ensinamentos do professor Luiz Estevam:
A ideia de se construir uma igreja neste largo terreno, baldio e desocupado, surgira ainda nos tempos da monarquia. Desde a Independência do Brasil, Catalão já possuía uma antiga capela, em homenagem a N. Sra. Mãe de Deus, no alto da (atual) Praça Getúlio Vargas. No entanto, era uma simples capela de adobe, bem pequena e que não permitia grande reformulação. Daí, o anseio eclesiástico de se construir uma igreja Matriz para Catalão. A partir de 1881, o cônego Luiz Antônio da Costa se ocupou, com a ajuda da comunidade, em edificar uma igreja maior neste largo. O esforço foi reconhecido pelo governo provincial que, além de nomear uma comissão para gerir os trabalhos, forneceu recursos para o término da obra.
O propósito inicial era a edificação de uma igreja em homenagem a N. Sra. do Rosário, conforme definiu a comissão formada pelo vigário Luiz Antônio da Costa, João de Cerqueira Netto, Francisco Victor Rodrigues e José Maria da Silva Ayres. Um símbolo da resistência dos negros escravizados que queriam o seu direito de manifestações religiosas resguardado.
A partir de 1882, com o apoio do governo, as obras de edificação da futura igreja de N. Sra. do Rosário foram aceleradas. No entanto, a destinação da igreja foi completamente alterada. É que, durante a construção, ocorreu uma permuta: a velha capela existente na (atual) Praça Getúlio Vargas foi doada à Irmandade do Rosário que, na época, completava cinco anos de existência. Com isso, as obras da construção no Largo foram direcionadas para edificação de uma Igreja Matriz para Catalão, em homenagem a N. Sra. Mãe de Deus.
Com o tempo, meio século depois. A Igreja do Largo da Matriz ficou em estado lastimável, carecendo de total reestruturação. Foi quando entrou em cena, o padre Agostinho Camarzana, na década de 1930. Sua obra foi uma construção imponente, bem delineada na arquitetura e que se tornou cartão postal de Catalão: a Velha Matriz.
Em 16 de junho de 1933, durante toda a manhã, os sinos da Igreja Matriz de Catalão (Velha Matriz) repicavam com tristeza. Rezava-se a missa de corpo presente pelo falecimento do vigário da cidade, Agostinho Camarzana, que morrera naquela noite. O corpo do padre espanhol foi amortalhado com o hábito da ordem agostiniana, vestido com os paramentos de celebrar missa, cor roxa, acomodado em um caixão no interior da igreja, na parte dianteira da nave central. Diante do seu cadáver desfilou toda a população católica de Catalão que, logo após, seguiu em cortejo, até o cemitério Municipal.
O padre de 55 anos de idade havia acabado de construir a igreja e se preparava para descansar, visitando sua família na Espanha, quando foi surpreendido por uma doença cardíaca que o levou rapidamente para perto de Deus. O vigário jamais iria imaginar que a nova igreja, reconstruída com tanto esmero, envergando vistosa fachada, longa torre e vários altares, seria o local do seu próprio velório. Na época do padre Agostinho, a igreja era conhecida como a Matriz de Catalão Depois sem sofrer qualquer mudança no seu aspecto arquitetônico, tornou-se a Velha Matriz, tal qual a conhecemos na atualidade. Na verdade, foi a segunda igreja edificada naquele local.
Muitas páginas de escritores são usadas para falar dos idealizadores, dos vigários, dos financiadores e dos políticos, mas poucos – ou nenhum – mencionaram as dificuldades inerentes à construção propriamente dita. Ou a logística de se obter os materiais necessários, como, por exemplo, a obtenção da água para abastecer a construção, suprir os fiéis que a frequentavam e mesmo a comunidade dos padres. A resposta me veio do acadêmico da Academia Catalana de Letras, Otacílio Nascimento de Alcântara, em seu ensaio “Balaio, Histórias e Acontecimentos”:
A primeira providência para se construir uma casa ou outro imóvel, era de onde viria a água, pois ela é vida, essencial, insubstituível. Naqueles tempos, não era utilizado nenhum processo eletromecânico de bombeamento, nem dos canos que para isso serviriam. Mais prático e barato, seria utilizar da força da gravidade, construindo regos d’água da nascente mais próxima.
A mina d’água mais próxima da construção da igreja era no sopé do Morro das Três Cruzes que descia pela Rua da Grota até o Ribeirão Pirapitinga. Tinha um bom declive até o local da Igreja Matriz, porém, seu volume de água era insuficiente para suportar o consumo necessário e, o inconveniente da proximidade de um cemitério, que ficava onde é, hoje, a Praça Duque de Caxias. Pensou-se, então, em trazer a água da Praça Calixto Abrão que era limpa, clara e abundante.
A nascente do Parque Calixto Abrão é um dos maiores mananciais de água da zona urbana de Catalão, e, talvez, a mais curta, distante apenas 300m do Ribeirão Pirapitinga. Uma nascente coberta e inserida numa frondosa vegetação de um bolsão isolado em Goiás, da Mata Atlântica. Quando se deu a construção da igreja, a nascente era, outrora, muito importante, pois serviu para abastecer o acampamento de obras da Estrada de Ferro, na Boca da Onça.
Verificou-se a distância, a declividade necessária, os obstáculos no caminho e tudo estava adequado para construir o rego d’água. A escavação saía de um poço que se formava em volta da nascente, seguia passando onde hoje é a Madeireira Catalana, alcançava o lugar onde hoje é o Posto Aguiar, continuava-se por onde hoje é a Av. Pedro Ludovico até alcançar o local da construção da igreja onde hoje é a Praça Dom Emanuel.
Passando os olhos ao redor daquela igreja, a nostalgia da infância, trouxe-me à memória, a casa onde nasci com todos os detalhes e cheiros de momentos felizes. As brincadeiras e os jogos infantis entre os “com camisas e sem camisas” deixaram de existir. Os circos e seus palhaços não mais se instalaram, os parques de diversões se foram e, com eles, os correios elegantes.
O frondoso flamboyant e as sibipirunas, com suas cores e vitalidade, foram substituídos pelo concreto. Sem as suas sombras e com o Sol a pino, interrompi minha conexão histórica e retornei para o Condomínio Ypê Cataluña.
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