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Como Lula vai explicar à ONU o atraso de seu governo no combate ao desmatamento?

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Rui Martins

No começo da semana, o Itamaraty convocou a imprensa para um “briefing”, em Brasília, sobre a participação do presidente Lula da Silva na abertura da 79ª Assembleia Geral da ONU em Nova York. O líder brasileiro fará seu discurso na terça-feira, 24.

Na ONU, deverão ser abordada uma série de temas atuais e urgentes — inclusão social, combate à fome, transição energética e reforma da governança global, o pacto global digital, prevenção de conflitos, desenvolvimento sustentável e multilateralismo. Alguns desses temas serão incluídos no discurso de Lula da Silva, logo depois da abertura da Assembleia Geral pelo secretário-geral da ONU, António Guterres.

No “briefing” dois jornalistas se referiram a um tema considerado obrigatório, uma dizendo que “o país está pegando fogo” e seu colega, mais adiante, citando “a fumaça ali perto da capital federal”, provavelmente para saber se Lula da Silva daria um destaque, no seu discurso, aos incêndios de florestas que ocorrem em todo país. O porta-voz do Itamaraty, embaixador Carlos Márcio Bicalho Cozendey, foi sucinto e comentou estar havendo “uma seca excepcional”, mas não disse se Lula da Silva dará um enfoque especial à questão.

Espera-se que sim, mesmo por uma questão de credibilidade, diante da importância dos incêndios não apenas no norte, na região amazônica, avançando pelo Centro-Oeste, no Estado de Goiás, e chegando ao Sudeste, no Estado de São Paulo, tornando o céu escuro e chegando a fumaça a países vizinhos.

Mesmo porque o Brasil acolherá, dentro de um ano, a COP30, a Conferência sobre mudanças climáticas, organizada pela ONU, na cidade de Belém,  capital do Pará, na região amazônica. Sem esquecer que, no ano passado, na abertura da Assembleia da ONU, Lula da Silva havia falado da emergência climática e prometido agir contra os crimes ambientais na Amazônia, como o desflorestamento pela serra ou pelo fogo. Mesmo se houve uma redução da ordem de 42% em certas regiões, os controles feitos por satélite mostram novos focos de queimadas em outras regiões destruindo o bioma natural original.

Uso de drones para pôr fogo em florestas

Os surgimentos recentes de novos incêndios florestais, favorecidos pela seca, foram trágicos por destruírem milhares de quilômetros quadrados de árvores e matarem animais, aves e pássaros vivendo em estado selvagem. Algumas espécies vegetais podem ter sido destruídas definitivamente. Embora alguns incêndios tenham sido provocados involuntariamente pelos próprios agricultores com a chamada “queimada”, costume utilizado tradicionalmente, embora condenado, para “limpar” com o fogo o que restou das colheitas nas terras cultivadas, a maioria dos focos de incêndio foi criminosa. No seu canal YouTube, o jornalista Bob Fernandes fala na suspeita de terem sido utilizados drones para o lançamento de produtos inflamáveis.

O agronegócio fala em milhões de perdas com a propagação dos incêndios incontroláveis, mas a destruição das árvores e vegetações nativas pelo fogo é a maneira mais simples e econômica de se preparar as terras para o plantio de cereais como a soja ou a criação de pastos para a criação extensiva de gado. Tanto os cereais como a carne bovina se destinam à exportação em grande escala para países asiáticos, numa reconversão regressiva do Brasil em país agrícola exportador de matérias primas.

Queimada no Parque Lagoa Vargem Bonita (em Goiânia), ocorrida em agosto de 2024 | Foto: Euler de França Belém/Jornal Opção

Não se sabe como o presidente Lula da Silva irá explicar seu atraso contra o desmatamento das florestas brasileiras, frente à pressão do agronegócio, mesmo porque certos setores da esquerda também defendiam, no passado, a ocupação econômica da Amazônia, antes que fosse tomada por países ou empresas estrangeiras. É o caso de Aldo Rebelo, antigo presidente da UNE e durante anos membro do PC do B, cuja visão da Amazônia não é a mesma da ecologista Marina Silva.

Em todo caso, os temores de Rebelo já se concretizaram com a implantação de missões evangélicas norte-americanas na Amazônia, destinadas a “civilizar” os indígenas, que deixam o xamanismo pelas doutrinas bíblicas. E com o avanço das empresas agropecuárias nas áreas desmatadas, sem se esquecer dos garimpeiros.

União Europeia vai punir o desmatamento

Como Lula da Silva poderia ter impedido totalmente ou reduzido a um mínimo a destruição das florestas brasileiras? Sem maioria no Parlamento é quase uma missão impossível. Mas poderia ter utilizado o patriotismo dos militares para uma ocupação pacífica da região, sem molestarem os indígenas, pelo Exército, com o objetivo de prenderem, expulsarem ou impedirem o acesso à região pelos grileiros, missionários religiosos, garimpeiros, desmatadores e invasores do agro.

Como isso não foi feito e diante da destruição gradativa da Amazônia, a União Europeia deve começar a aplicar, a partir do fim deste ano, uma lei contra a importação e a comercialização de produtos provindos ou produzidos nas áreas desflorestadas desde 2020. Isso inclui uma enorme gama de produtos brasileiros atualmente exportados para a União Europeia, como cacau, café, soja, óleo de palma, madeira, carne bovina, borracha, couro, móveis, papel.

Diante disso, o governo brasileiro, depois de um encontro com produtores em áreas desmatadas ou desflorestadas, está pedindo à União Européia para adiar sine die, sem data fixa, a nova regulamentação anti-desflorestamento, por considerar tal exigência “um instrumento unilateral, punitivo e uma ameaça para suas exportações”, além de atentatória ao “princípio de soberania”!

Esse pedido formulado pelo Brasil à União Europeia “é triste, lamentável e surpreendente (eu acrescentaria vergonhoso) porque contradiz o discurso do próprio presidente (na ONU em 2023)”, declarou à Agence France Presse o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini. A entidade reúne uma centena de ONGs de proteção e defesa  do meio-ambiente.

Astrini lembra os discursos de Lula se comprometendo a acabar com o desflorestamento no Brasil até 2030. “De nada adianta fazer discursos em favor de uma produção agrícola durável se não se quer aplicar o mecanismo que torna isso possível”, diz Astrini.

Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI. 

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