TV x rede social: quem influencia mais na campanha política?
Começou na última sexta-feira, 30, o Horário Eleitoral Gratuito no rádio e na TV das eleições 2024, momento em que candidatos a prefeito e vereador utilizam de um tempo definido para pedir votos aos eleitores. A programação segue até o dia 3 de outubro para o 1º turno e, nos municípios onde houver 2º turno, a propaganda vai do dia 11 ao dia 25 do mesmo mês.
A propaganda eleitoral gratuita para o cargo de prefeito deve ser transmitida de segunda a sábado nos seguintes horários: no rádio, das 7h às 7h10 e das 12h às 12h10; e na televisão, das 13h às 13h10 e das 20h30 às 20h40.
Os partidos políticos têm direito a 70 minutos diários para promover seus candidatos e propostas ao longo da programação. Essas inserções devem ser veiculadas entre 5h e meia-noite, sendo que 60% do tempo deve ser destinado aos candidatos a prefeito e 40% aos candidatos a vereador.
Os partidos, federações e coligações partidárias devem distribuir os horários determinados pela Justiça Eleitoral entre os candidatos, respeitando a proporção entre as diferentes candidaturas e dando prioridade às mulheres e pessoas negras.
Conforme a resolução 23.610/2019, a propaganda na televisão deve ser acessível, utilizando recursos como legenda aberta e oculta, janela com intérprete de Libras e audiodescrição. A responsabilidade por essas adaptações cabe aos partidos, federações partidárias e coligações.
Entre as proibições do Horário Eleitoral Gratuito no rádio e na TV, destacam-se a vedação à exibição de propaganda paga ou destinada à promoção de marcas ou produtos; a veiculação de propaganda que ridicularize candidatas e candidatos.
Além disso, o uso de montagens, computação gráfica, desenhos animados, efeitos especiais, e veicular imagens de pesquisas ou consultas populares que possibilitem a identificação dos entrevistados ou que apresentem manipulação de dados também são proibidos.
No entanto, desde 2012, pelo menos oficialmente, quando foi liberado o uso de redes sociais para que candidatos fizessem campanhas virtuais, o rádio e a TV ganharam uma importante concorrente nesse meio: a internet. Nela, os candidatos já estavam autorizados a fazer propaganda desde o início da campanha, no último dia 16 de agosto.
Entre as principais mudanças na Resolução nº 23.610/2019 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), trazidas pela Resolução nº 23.732/2024, aprovada em fevereiro, destaca-se a inclusão de um capítulo específico dedicado aos conteúdos político-eleitorais e à propaganda eleitoral na internet.
De acordo com a norma, a propaganda eleitoral na internet será restringida caso ocorra ofensa à honra ou imagem de candidatas e candidatos, partidos, coligações ou federações partidárias, ou ainda, se for divulgada informação sabidamente falsa.
Para fins dessa resolução, consideram-se como conteúdo político-eleitoral todos os assuntos que tratem de eleições, partidos políticos, federações e coligações, cargos eletivos, pessoas que ocupam cargos eletivos, candidaturas, propostas de governo, projetos de lei, exercício do direito ao voto e outros direitos políticos, ou qualquer tema relacionado ao processo eleitoral.
Histórico
O Horário Eleitoral Gratuito na TV não é novidade na vida do eleitor brasileiro. A Lei nº 4.115, promulgada em agosto de 1962 pelo presidente João Goulart, estabeleceu a obrigatoriedade de que as emissoras de rádio e televisão reservassem duas horas de sua programação para a propaganda eleitoral nos dois meses que antecedem as eleições.
Com o passar do tempo, durante a ditadura militar, o tempo de propaganda eleitoral foi ampliado para duas horas e meia, mas posteriormente foi reduzido. A Justiça Eleitoral não apenas divide o tempo de exibição, mas também estabelece regras rigorosas para o conteúdo, incluindo a proibição de ofensas pessoais e o direito de resposta.
Além dos blocos principais de propaganda, os partidos também têm direito a inserções publicitárias menores, com duração de 30 ou 60 segundos, distribuídas ao longo da programação das emissoras. As emissoras são responsáveis por alocar esses conteúdos em diferentes blocos de audiência para alcançar uma diversidade de públicos.
Originalmente, a lei de 1962 que instituiu o horário eleitoral gratuito não proibia totalmente a propaganda paga, exceto nos 30 dias que antecediam as eleições. Essa legislação também previa um critério de rotatividade e aparição dos partidos, mas as regras sofreram mudanças significativas em 1976, durante a ditadura militar, como uma resposta ao crescimento do MDB nas eleições de 1974, resultando em restrições ao acesso dos candidatos ao rádio e à televisão.
Após a redemocratização, em 1985, as regras estabelecidas em 1976 foram revogadas, e o modelo atual de propaganda eleitoral foi consolidado com a Constituição de 1988. Na internet, como já citado anteriormente foi liberado o uso para esse fim pela primeira vez em 2012. Também dito acima a propaganda nas redes, de lá pra cá, passou por mudanças.
TV x rede social
A influência da televisão e das redes sociais nas campanhas políticas é um fenômeno significativo que moldou a forma como candidatos se comunicam com o público e como os eleitores tomam decisões. Mas, de fato, quem tem o poder de influenciar mais? O Jornal Opção ouviu cientistas políticos, pesquisadores e marqueteiros para responder essa pergunta.
Vale ressaltar que a análise do ponto de vista da TV vai além do Horário Eleitoral Gratuito, incluindo, por exemplo, o que o jornalismo repercute dos candidatos. Historicamente, a televisão desempenhou um papel crucial nas campanhas políticas, especialmente a partir da segunda metade do século XX. Com seu alcance massivo, ela permitiu que candidatos chegassem a milhões de eleitores simultaneamente.
“É preciso entender que a transversalidade da TV e do rádio é muito grande. E ainda é importante porque tem audiência. Por mais que a pessoa não pare para assistir TV, às vezes ela anda no carro, ouve do rádio, ou está em casa lavando uma louça e ouvindo a televisão ligada. Para além do horário eleitoral, tem as pílulas que agora passam durante a programação nos intervalos comerciais, o que também acessa o pessoal até mais, inclusive, do que aquela faixa horária do programa eleitoral gratuito”, analisa o marqueteiro político Marcos Marinho.
Debates televisivos, como o icônico confronto entre John F. Kennedy e Richard Nixon nos EUA em 1960, tornaram-se momentos decisivos, influenciando a percepção pública e, em alguns casos, o resultado das eleições. Marinho explicou que as mídias de massa, como a TV e o rádio, enquanto existirem, sempre terão audiência e, portanto, farão parte do cotidiano das pessoas no consumo de conteúdo.
“É óbvio que não dá mais para você se pautar só por eles [TV e rádio]. Mas, em comunicação, quanto mais canais eu tiver, quanto mais eu puder acessar os grupos, melhor para mim. Quem está fazendo campanha tem que usar o que tiver em mãos”, defende.
O cientista político Antônio Lavareda demonstrou a importância da TV em uma campanha política, sobretudo nas eleições municipais nas cidades maiores, que têm uma cobertura mais intensa.
“Nas últimas eleições de 2020, 80% dos candidatos que foram ao segundo turno nas eleições municipais tinham o primeiro ou segundo maior tempo de TV. A quantidade de propaganda política, fora dos programas, mas distribuídos ao longo da programação, é tão grande, sobretudo eleições municipais, que é literalmente impossível para alguém que assista TV aberta não assistir os comerciais políticos. Para você ter uma ideia, um candidato a prefeito tem mais tempo de televisão e de comerciais duas vezes ou três vezes mais tempo que o candidato à presidente, porque este tem que dividir o horário com o candidato ao governo, ao Senado, ao deputado federal e ao estadual. O prefeito só divide com vereadores, e em uma proporção menor”, destaca.
Para exemplificar a importância da TV, Lavareda lembrou a eleição de Jair Bolsonaro para presidente em 2018. Segundo ele, embora o candidato tivesse pouco tempo de TV, a todo tempo ele estava na mídia.
“É uma lenda de que Bolsonaro se elegeu com 17 segundos em 2018 e a televisão não teria tido nenhuma importância. Hoje, as análises mostram que Bolsonaro foi muito beneficiado por ter começado a aparecer, bem antes de 2018, em programas de TV como Pânico, CQC”, relembra.
No entanto, o surgimento das redes sociais nos últimos anos transformou ainda mais o cenário das campanhas políticas. Plataformas como Facebook, Twitter, Instagram e YouTube criaram novos canais para o engajamento político, permitindo que candidatos e eleitores interajam de maneira mais direta e dinâmica.
Nesse sentido, Kim Macherini do Santa Dica Pesquisas explica que houve uma mudança drástica na forma como as campanhas são feitas e nos resultados esperados dessas campanhas. Ele destacou que o formato de consumo de informação mudou, com as pessoas sendo impactadas por diversos meios ao mesmo tempo.
“Nos últimos três anos fazendo pesquisa e avaliando o consumo de redes sociais, a mesma quantidade de pessoas que têm acesso à internet praticamente estão no WhatsApp. A gente vê aqui que 70% da população está no Instagram, no Facebook, faixas etárias elevadas de 60+, pessoas de baixa instrução, uma grande parcela delas hoje estão nas redes sociais, e vão sendo impactados. O consumo do tema de política que era no rádio, na TV, começa a passar para dentro do grupo do WhatsApp, o boca-a-boca se mantém, mas a discussão também vai para dentro do WhatsApp. Esse consumo começa a ser direcionado”, analisa.
As redes sociais possibilitam a segmentação do público-alvo, personalizando mensagens para diferentes grupos demográficos. Além disso, essas plataformas facilitam o compartilhamento viral de conteúdo, o que pode amplificar a visibilidade de uma campanha ou de uma mensagem específica em pouco tempo.
Do mesmo modo, Marcos Marinho reconhece a facilidade de direcionar conteúdo pelas redes sociais, mas ainda não ignora o poder da televisão no processo. “Enquanto está todo mundo individualizado na sua tela de celular, de repente durante um almoço, ou um jantar, ou no momento em que a família está reunida, a mensagem política chega e pode se tornar um momento de debate. Não é tão grande como foi no passado, mas não posso ignorar esse papel”, pontua.
Uma das maiores inovações das redes sociais é a sua interatividade, característica que a TV passou a tentar a se adaptar. A televisão tem a comunicação predominantemente unidirecional, enquanto as redes sociais permitem que os eleitores participem ativamente das campanhas, comentando, compartilhando e até criando conteúdo relacionado a candidatos e temas políticos.
A reportagem também ouviu o cientista político Pedro Célio. Para o especialista, o protagonismo da TV diminuiu com o crescimento da internet, mas não desapareceu sua relevância.
“Os partidos e candidatos se preparam muito para terem bons desempenhos nos programas de TV. Existe uma parte do público que ainda é condicionada a assistir TV. A grande diferença é que, na televisão, os candidatos são desafiados a usarem uma linguagem generalizante, pois não controlam o público que vai receber a sua mensagem. Nas redes sociais, o público já é bastante segmentado, e até se transforma em uma bolha”, opina.
Contudo, a influência das redes sociais nas campanhas políticas também tem seu lado negativo. A disseminação rápida de desinformação e fake news pode distorcer a percepção pública e influenciar negativamente as eleições. Nesse sentido, Rui Melo, diretor do Observatório Pesquisa de Comportamento, considera que a televisão ganhou o papel de verificadora de informação.
“A gente fez uma pesquisa em três cidades no interior do Mato Grosso, no interior de São Paulo e no interior de Goiás, a respeito de programas eleitorais. A gente só trabalhou com qualitativa, então não tem os detalhes quantitativos, O que acontece é que a TV se transformou no lugar de verificação de fake news. Essa foi a pesquisa, em que estimulamos uma informação fake, um ator se passando por jornalista fez a gravação e criamos alguma situação sobre o político da cidade. O que a gente viu, e aconteceu em todos os lugares, é que imediatamente as pessoas perguntavam se podiam confirmar aquilo pela internet, então olhava na TV e verificava se era fake ou não”, conta.
Quem influencia mais?
Analisadas as características da TV e das redes sociais, feitos os argumentos e ponderações, afinal: quem influencia mais? Segundo Marcos Marinho, não dá para fazer esse apontamento.
“O que influencia mais é a somatória de todas as variáveis. A leitura de mundo das pessoas não é formada por um monocanal, mas pela junção de elementos de significação que vai recebendo. Eu pesquisei muito no meu mestrado sobre isso e uma das teorias que usei foi a teoria da representação social, que explica exatamente o porquê que as pessoas pensam da forma que pensam. Segundo Serge Muscovici, que é um pesquisador francês, o ser humano pensa o que pensa por conta de todos os impulsos que ele recebe, não só por conta de um canal”, afirma.
Por outro lado, Antônio Lavareda considera a TV uma mídia ligeiramente mais influente na campanha. Apesar disso, o cientista político reconhece o poder atual das redes sociais.
“Eu pego o exemplo a partir do que está ocorrendo nos Estados Unidos, onde os candidatos estão gastando mais dinheiro com TV do que com redes sociais. Na suposição de que eles conhecem isso melhor do que nós, que não jogam dinheiro fora, eu diria que a televisão ainda é mais importante que a rede social, embora a melhor campanha seja aquela que saiba sintonizar e produzir a maior utilidade possível desses dois canais”, avalia.
Em contrapartida, Kim Macherini acredita que as redes sociais atualmente têm mais poder de influenciar a campanha, bem como as eleições. “Eu acredito que hoje a influência maior é pelas redes sociais, principalmente os grupos de WhatsApp e o trabalho de lado B, a campanha negativa que acontece por trás do sorriso, da empolgação, da confiança que os candidatos e sua campanha principal nos fazem”, declara.
Na avaliação de Pedro Célio, é difícil cravar qual dessas mídias exerce maior influência sobre os eleitores, pois cada uma possui características únicas que as colocam em campos distintos. “Eu acho que a diferença entre elas coloca em campos distintos e naturezas diferentes”.
Ele explica que, em um debate programado para a televisão, o candidato precisa exibir um desempenho cênico sólido, capaz de atingir todos os públicos ao mesmo tempo. “Ali, ele não tem direito de errar, porque será em transmissão direta. Se o candidato se sair muito bem ou cometer uma grande gafe, isso pode ter uma influência tremenda, até decisiva, que talvez não deixe o candidato se recuperar.”
Por outro lado, as redes sociais oferecem uma dinâmica completamente diferente. “Nas redes sociais, os conteúdos são editáveis. O próprio candidato pode editar, fazer os cortes, eliminar erros e exaltar algo que ele imagina que seja ótimo para ele”, explica o especialista.
Questionado sobre a eficácia da TV em comparação com as redes sociais na influência do eleitorado, Rui Melo afirma: “Eu acho que são duas forças equivalentes. A rede social oferece uma interação rápida, enquanto a TV proporciona um aprofundamento nos temas discutidos. Ambas são importantes e complementares na estratégia de campanha.”
Em síntese, para Rui, o sucesso de uma campanha eleitoral depende da capacidade do candidato em identificar as demandas e desejos da população, ajustando seu discurso. “É um processo de transformação e movimento. O candidato deve saber cravar o que realmente influencia o eleitorado”, conclui.
O Jornal Opção também ouviu o ex-deputado por Goiás Vilmar Rocha (PSD), que apontou que as redes sociais trouxeram uma nova dinâmica, proporcionando maior igualdade de oportunidades e redução de custos.
“Antigamente você tinha que fazer, por exemplo, um milhão de santinhos. Não era caro, mas hoje você faz o santinho e, em uma lista de transmissão, você é capaz de mandar, em pouco tempo, para milhares de pessoas. Não dá para cravar quem influencia mais, talvez 60% redes sociais ou 40% TV. Seria mais ou menos isso hoje eu acho”, comparou.
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