Entenda por que o eleitor não é indeciso e só decide em quem votar a 15 dias das eleições
[Dica ao estilo do escritor argentino Julio Cortázar: se quiser uma leitura direta de política, não hesite — salte para o 12º parágrafo.]
Inventemos quatro eleitores-personagens. Sim, estamos falando de Tancredo Guimarães, de 52 anos, casado com Telma Neves, de 50 anos. O casal tem dois filhos: Leonel Guimarães Neves e Neusa Guimarães Neves, de 28 e 26 anos.
A família de quatro integrantes trabalha o dia inteiro, em locais diferentes. Quando se encontram, conversam sobre vários temas. Tancredo e Leonel torcem para o Goiás e para o Flamengo. Estão sempre a conversar sobre os craques do Brasil serem “exportados” cada vez mais jovens para a Europa. Chegaram a citar Endrick, que, menino de 18 anos, já está jogando no Real Madri, time estelar da Espanha.
Tancredo e Leonel falam também do churrasco de domingo, do chope gelado e comentam que ainda não vale a pena comprar um automóvel elétrico, sobretudo para quem planeja viagens para destinos distantes, fora das áreas urbanas. Os dois desconfiam muito da publicidade da BYD. “Parece que estão ‘empurrando’ seus carros para os clientes. Quando a esmola é muita, o santo desconfia”, assinala Tancredo, dono de um Corolla de cinco anos. Mas “supimpa”, informa.
“Fez uma fezinha da Lotofácil da Independência?”, pergunta o pai para o filho. “Joguei num bolão na loteria do Carrefour”, responde Leonel. “Jogo mais na Mega-Sena”, afirma Tancredo.
Telma e Neusa chegaram a acompanhar a conversa, mas acabaram desistindo do papo pouco-cabeça dos homens. Desistiram de vez quando os dois começaram a falar de marcas de pneus. Telma Neves, que é fã de Gilberto Braga e Manuel Carlos, chegou a dizer: “Vocês ganhariam muito mais se falassem de novela”. Os homens riram e continuaram a falar, no seu “dialeto” masculino, de Firestone, Dunlop e Goodwear.
Neusa contou à mãe que está lendo dois livros “interessantíssimos”: “A Mulher de Pés Descalços”, de Scholastique Mukasonga, e “Teoria King Kong”, de Virginie Despentes.
“Mãe, sei que a sra. leu obras de Simone de Beauvoir, Françoise Sagan, Marguerite Duras e Annie Ernaux — que são extraordinárias. Mas recomento a leitura de Scholastique Mukasonga e Virginie Despentes”, sugere Neusa.
Scholastique Mukasonga é uma escritora tutsi, de Ruanda, cuja família foi massacrada pelos hutus. “A história é violenta e triste, eu sei. Mas o vigor narrativo, a capacidade de descrever cenas com objetividade e sensibilidade é extraordinária. Trata-se de uma escrita em carne viva. Sonhei com a história na noite passada e acordei perturbada. Estou tão impactada que vou comprar uma edição usada de ‘Genocídio — A Retórica Americana em Questão’, de Samantha Power, no Estante Virtual. É uma das maiores radiografias do massacre ocorrido no país africano”, anota a socióloga Neusa. “Não vou falar sobre o livro da francesa Despentes porque vou emprestá-lo à sra.”
Telma sugere à filha que assistam a um filme argentino. “Você notou que os hermanos sabem fazer filmes dramáticos, com uma narrativa forte e com um estilo mais leve do que o dos franceses? Ricardo Darin é um grande ator.”
As duas combinaram de assistir ao filme “Zona de Interesse”, do diretor britânico Jonathan Glazer, vencedor do Oscar 2024 de melhor filme estrangeiro. Telma explica que é a história de uma família cujo chefe é um nazistão que dirige Auschwitz. Depois, acertam visitas às livrarias Palavrear e Livraria da Vila.
A família Guimarães Neves é, evidentemente, de classe média. Mas não deixa de ser curioso que não tenham, em nenhum momento, falado das eleições municipais que serão realizadas daqui a 36 dias, ou seja, um mês e seis dias.
Ninguém toma eleitor de Adriana Accorsi
Por que os eleitores demoram a se motivar com questões eleitorais? Porque precisam tocar suas vidas, cuidar de seus afazeres e prazeres. Isto não significa que os brasileiros não gostam de política. Apesar de falarem mal dos políticos — é o “esporte” predileto dos patropis, depois do futebol, é claro —, eles se interessam pelo assunto. Porque sabem de sua importância para suas vidas. Escolher mal um gestor é sempre um problema. Diz-se: “A cidade está suja”. Mas, quando isto ocorre, é provável que outras áreas também não funcionam bem, como a saúde.
Ante a suposta “desmotivação” dos eleitores — que só se “motivam” depois dos debates e da propaganda eleitoral na televisão, quando os choques de ideias e projetos revelam os políticos em sua inteireza —, é preciso examinar as pesquisas quantitativas com relativa cautela. As movimentações dos eleitores, ao firmarem conhecimento das ideias-projetos dos candidatos, sugerem que se veja pesquisa como ciência da circunstância, mas não uma ciência exata.
As pesquisas, se não manipuladas, não estão erradas. Pelo contrário, registram, no momento, uma certa “inércia” dos eleitores. No caso específico de Goiânia, observa-se o fenômeno de que ninguém deslancha. Nenhum dos candidatos chega a 30% das intenções de voto.
O que os eleitores estão dizendo, com sua aparente desmotivação? Que só agora, com a campanha esquentando, é que devem se motivar. Parece que consideram que nem mesmo os políticos, candidatos ou não, também não estavam motivados.
O “tempo” dos eleitores não é o tempo dos políticos e mesmo dos jornalistas, que parecem ansiosos por um posicionamento mais firme daqueles que escolhem os mandatários dos municípios.
Os candidatos Adriana Accorsi, do PT, e Vanderlan Cardoso, do PSD, aparecem tecnicamente empatados. Mas é um empate de postulantes que têm entre 21% e 24% das intenções de voto.
Mesmo sendo “candidatos” desde 2020, quando foram derrotados por Maguito Vilela, do MDB, Adriana Accorsi e Vanderlan Cardoso não parecem ser vistos, ao menos no momento, como as alternativas seminais do pleito. Por que será que os candidatos do PT e do PSD não deslancham?
Adriana Accorsi e Vanderlan Cardoso não são candidatos ruins. Pelo contrário, ambos têm qualidades. Portanto, são capazes de gerir a cidade. São políticos experientes, com prestígio junto ao governo federal. Ambos são ligados ao presidente Lula da Silva, do PT.
Diz-se que Adriana Accorsi tem vaga “garantida” no segundo turno. Porque seu eleitorado dificilmente poderá ser “tomado” por outros candidatos — como Vanderlan Cardoso, Sandro Mabel, do União Brasil, e Fred Rodrigues, do PL. Trata-se de um eleitorado de esquerda e, sim, de centro (porque a petista, sendo moderada, não assusta os eleitores que, não sendo de esquerda e de direita, observam-na como uma quase não-petista).
Se ninguém “toma” eleitores de Adriana Accorsi, a petista, com cerca de 26% dos votos válidos, certamente estará mesmo no segundo turno. Mas, como eleição é, de certo modo, uma caixinha de surpresas, não se pode cravar que a postulante do PT já está consolidada para a etapa seguinte. Com três candidatos fortes, é natural que se tenha segundo turno. Mas não dá para garantir quem estará na finalíssima.
Vanderlan deve pôr as barbas de molho
Se é praticamente impossível “tomar” eleitores de Adriana Accorsi, dada a confiança que depositam na petista, Vanderlan Cardoso precisa pôr as barbas de molho.
Se Adriana Accorsi e Vanderlan Cardoso, que estão no jogo há mais tempo, não crescem, há um candidato, Sandro Mabel, que está crescendo. Se o membro do União Brasil tem entre 15% e 18% — considerando a margem de erro das pesquisas —, isto significa que, a rigor, é o único que está crescendo. Ele avança um ponto, digamos assim, e consolida uma posição, aproximando dos líderes.
Se Sandro Mabel está crescendo, e no momento em que os eleitores começam a discutir eleição — e vão discutir muito mais a 15 dias do pleito —, pode-se falar na possibilidade de uma reviravolta? Sim, é possível.
Sandro Mabel tem chance de superar Vanderlan Cardoso e disputar o segundo turno contra Adriana Accorsi.
Os eleitores de Goiânia, frise-se, são mais independentes do que eleitores de cidades menores do interior. Há um maciço eleitorado de classe média que, bem próximo ao dia da votação, decide como vai escolher seus candidatos. Altamente esclarecido, tal eleitorado chega às urnas convicto de quais postulantes são mais adequados para dirigir a cidade.
Se os eleitores estão começando a observar os candidatos, e se Sandro Mabel está crescendo, isto sugere que há mesmo a possibilidade de superar Vanderlan Cardoso e aproximar-se de Adriana Accorsi. Trata-se, insistamos, de possibilidade. Não se está falando de certeza.
A favor de Sandro Mabel há uma série de fatores. Primeiro, o fato de ser gestor — e as pesquisas qualitativas indicam, que, depois de Rogério Cruz, os eleitores cobram a presença de um administrador. Segundo, tem o apoio do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, o mais bem avaliado da história da capital (aprovação de 86%). Terceiro, terá à sua disposição um verdadeiro exército de candidatos a vereador.
Resta uma pergunta a responder: por que Vanderlan Cardoso, depois de ter sido candidato a governador de Goiás e a prefeito de Goiânia duas vezes, não cresce? Porque, certamente, o crescimento de Sandro Mabel está travando sua ascensão. A expectativa de poder do senador vai passar para o ex-deputado federal? É possível.
Há mais três candidatos a prefeito: o jornalista Matheus Ribeiro, do PSDB, Professor Pantalão, do UP, e o prefeito Rogério Cruz, do Solidariedade. O gestor municipal tem o controle da máquina, mas não aparece bem nas pesquisas de intenção de voto.
(Digamos, agora, que o repórter Antônio Britto tenha procurado a família de Telma, Tancredo, Leonel e Neusa, inquirindo-a sobre política. Das entrevistas, o jornalista descobriu que não são alienados e que entendem do assunto. Só estão tocando suas vidas, falando de Flamengo, Corinthians, carros elétricos, Scholastique Mukasonga, Billy Wilder e Godard. Mas já começam a verificar quais candidatos são mais consistentes. Não são indecisos. Só querem conhecer um pouco mais sobre o que pensam os candidatos e, também, querem vê-los falando. Porque a fala e o corpo, que também fala, dizem muito sobre os políticos, a respeito da sinceridade de cada um.)
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