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O homem que foi esfaqueado por causa de um papagaio que falava palavrões

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Marina Teixeira da Silva Canedo

Especial para o Jornal Opção

Muitos pensarão que esta é uma história fictícia, apenas mais uma piada de papagaio, dessas produzidas pelo fértil imaginário popular. Mas não é, não. Estes são fatos reais, que aconteceram com pessoas de nosso relacionamento.

O termo “da pá-virada” é antigo e caído em desuso, quase um arcaísmo em nossa modernidade galopante, que retira e acrescenta palavras e regras, na mixórdia de nosso mutante vernáculo. Mas não se apoquente, pode ser substituído por biltre, pulha, sacripanta ou do arco-da-velha, e o papagaio estará bem qualificado. Todos entenderão, tenho certeza.

Tudo aconteceu na casa de um casal de amigos. Um dia o marido chegou à casa, levando um presente que tinha ganho de um amigo: um lindo e esperto papagaio. O bichinho foi recebido com muita alegria e entusiasmo pela esposa e pelos filhos. Providenciaram sua moradia, um poleiro muito bem-feito e do qual ele podia sair, pois não era uma gaiola.

A ave, da família dos psittacidae, logo se adaptou à nova residência e quase não parava no poleiro. Parecia ter bicho carpinteiro no corpo, estava sempre passeando pela casa. Era um papagaio desassossegado. Não demorou a começar a ir para a mesa na hora das refeições e a incomodar a família. Todos os dias o safardana sacripanta aprontava um quiproquó. Isto, sem contar que já veio com um enorme repertório de palavrões, que aprendeu com seus antigos donos. Sem mais nem menos ele lascava um “vagabundo!” e outros substantivos e adjetivos mais injuriantes, os quais evitarei mencionar. Aí, a fuzarca tomava grandes proporções.

O tempo foi passando e o desbriado papagaio se refestelando cada vez mais na casa. Adorava ir para a sala quando chegavam visitas, e pulava de colo em colo. Onde ia aprontava sujeira e xingava quem reclamasse. Até que chegou um dia em que a dona da casa, nossa assoberbada amiga, não aguentando mais a bagunça que ele fazia, e azafamada que estava, resolveu desfazer-se dele. Quando seu jardineiro soube que iam dar um fim ao papagaio, mais do que depressa, antes que outro se interessasse, prontificou-se a comprá-lo, pagando com seu trabalho; muito suor em prol de um bichinho de estimação. O negócio foi feito, tudo acertado, e lá se foi o jardineiro, todo fagueiro e jubiloso, levando para casa sua nova aquisição.

O tempo foi passando e o jardineiro, que trabalhava lá há vários anos, não compareceu no dia marcado. Passaram-se vários meses e nada de ele aparecer. Arrumaram outro, mas estavam intrigados com o sumiço do “seu” Gouveia, era este o seu nome.

Os meses se passaram sem notícia nenhuma do antigo jardineiro. Será que teria batido as botas? Ou passado sebo nas canelas e se escafedido no mundo? Naquela época ainda não era comum o uso do grande comunicante, o celular.

Um belo dia, tocaram a campainha da casa. Quando nossa amiga abriu o portão era “seu” Gouveia, porém bem diferente, muito magro e abatido. Ela, surpresa, perguntou o que lhe havia acontecido, qual a causa do sumiço e de tão grande descaimento! Ele então falou: “A senhora se lembra do papagaio que levei daqui? Pois é, eu o levava para todos os lugares, aonde eu ia ele ia comigo. Trabalhava, passeava, sempre com o bichinho no meu ombro. Até que um dia eu entrei num bar para tomar um lanche, com o papagaio agarrado em mim. Então entrou um sujeito, um mau elemento, bem conhecido no bairro. Quando esse cara entrou, o Zé, nome que dei ao papagaio, para minha infelicidade gritou bem alto: ‘filho da …!!!’. O mau caráter, pensando que fui eu quem o xingou, sacou da peixeira e me esfaqueou; levei cinco facadas, uma bem perto do coração. Me acudiram, me levaram para o hospital e eu fiquei entre a vida e a morte, por vários meses. Só na UTI fiquei dois meses!” 

A ex-patroa ficou estarrecida com a história e muito penalizada com o infortúnio do “seu” Gouveia. E pensar que o causador da tragédia foi o simpático (porém mal-educado) papagaio. Quem diria que aquela inocente ave quase causou a morte do jardineiro? Ela então perguntou se, na fúria insana do mau elemento, ele teria atingido o Zé com uma facada, ao que ele respondeu que “o safado tinha escapado sem nem um trisco”. Perguntou se o Zé, o “inofensivo papagaio”, continuava com ele: “Sou doido não, dona, apesar do apego que eu lhe tinha, dei para um amigo e disse que o levasse para bem longe!” 

E assim o Zé, o papagaio, protagonista de tão funesta garabulha, foi morar na roça, no seu habitat natural. Não se ouviu mais falar dele e ficaram todos torcendo para que o novo dono tivesse o corpo fechado e um destino melhor…

Depois de todo o acontecido, fiquei pensando nas motivações que levaram o amigo do meu amigo a lhe dar o papagaio; pode ser que ele houvesse “aprontado” muito e assim se livraram dele…

Por isto, sempre que alguém oferece insistentemente um lindo e esperto bichinho de estimação, eu me lembro da letra de um samba de Ataulfo Alves de 1967, que diz: “laranja madura, na beira da estrada, tá bichada Zé, ou tem marimbondo no pé”.

Não sou mineira, mas tanta bondade me faz desconfiar…

Marina Teixeira da Silva Canedo é poeta, cronista e crítica literária. É colaboradora do Jornal Opção.

Papagaio que fala palavrão. Alerta: palavras fortes

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