Em carta, cientistas alertam que fracasso na proteção do Cerrado leva a perdas irreversíveis para o agronegócio
Desde que assumiu, em 2023, o governo Lula conseguiu diminuir as taxas de desmatamento na Amazônia. Entretanto, pouca atenção foi dada ao Cerrado, que vem perdendo áreas significativas de floresta no último ano. O alerta vem de cientistas, em carta publicada na revista científica “BioScience” nesta quarta, 28. Segundo eles, a falta de valorização deste bioma por políticas ambientais está levando a impactos irreversíveis no clima e no abastecimento de água no país, que atingirá um dos principais setores econômicos brasileiros: o agronegócio.
O texto, assinado por pesquisadores do Centro de Conhecimento em Biodiversidade na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e da Universidade Internacional da Flórida (EUA), ressalta que a agenda ambiental de Lula tem apresentado poucos resultados no Cerrado. Enquanto Amazônia brasileira teve uma queda de 23% no desmatamento em comparação com o ano anterior, o Cerrado teve um aumento de 3% no desmatamento anual no mesmo período. Com isso, a Amazônia — que tem o dobro do tamanho do Cerrado — perdeu 9 mil quilômetros quadrados de floresta em 2023. Já o Cerrado perdeu 11 mil quilômetros de vegetação.
“O menor esforço de proteção é, em parte, devido à aparência menos imponente da vegetação do Cerrado, com estatura muito inferior à da floresta amazônica”, ressalta Philip Fearnside, pesquisador do Inpa, especialista em mudanças climáticas e coautor da carta.
Além do apelo estético, o menosprezo pela preservação do Cerrado também está ligado a interesses econômicos, segundo os especialistas. Na carta, eles mencionam que existe uma pressão, vinda principalmente do agronegócio, para relaxar as restrições ambientais no bioma, permitindo a substituição da vegetação por pastagens e plantios de soja. Para Fearnside, ceder a essa pressão é um tiro no pé. “A perda do Cerrado é irreversível na prática e terá repercussões na estabilidade de parte da Amazônia, nos países vizinhos e no agronegócio, que depende das águas desse bioma”.
Segundo Fearnside, a destruição do Cerrado gera ganhos de curto prazo para grandes produtores, como os que investem na soja. Mas, a perda da vegetação é contrária até mesmo ao interesse do setor agrícola. “O aquecimento global é uma ameaça para todo o Brasil, incluindo o agronegócio. Por exemplo, a região do Matopiba, considerada a grande fronteira agrícola nacional, deixará de existir como área para agricultura se esse fenômeno escapar do controle”, alerta o cientista.
Também já é possível observar as consequências da devastação do bioma, de acordo com o pesquisador. Ele dá como exemplo o prolongamento da estação seca no norte do Mato Grosso que já chegou a quase um mês a mais que o habitual. “A seca não só ameaça o trunfo do Brasil de obter duas safras de soja na mesma área todos os anos, mas também favorece a savanização do sul da Amazônia. A savana que substituiria a floresta amazônica não seria biodiversa como o Cerrado”.
Para os pesquisadores, o governo brasileiro é a principal entidade que precisa tomar decisões para preservar o Cerrado. Na carta, eles recomendam a criação urgente de um fundo, assim como esforços para aumentar a visibilidade internacional do bioma. “A atenção internacional pode influenciar as decisões do governo brasileiro. Além disso, ela pode incentivar possíveis restrições ambientais de países que importam commodities como a soja, o que impacta diretamente nos interesses sobre o bioma”, finaliza Fearnside.
Fonte: Agência Bori
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