Com linguagem desafiadora, poemário de Sônia Elizabeth caminha entre a contenção e o derramamento
Elias Antunes
Por que a poesia tem a capacidade de tocar tão fundo a alma humana, apenas com palavras escritas ou faladas? E por que uma poesia de qualidade, às vezes, não alcança a justiça merecida, dando-se valor às badalações, aos aparecimentos na internet, ou na TV, ou nos jornais, enquanto a boa poesia somente atinge sucesso depois de muito tempo ou, pior ainda, no dia de São Nunca?
É preciso, com urgência, fazer justiça a uma das melhores, senão a melhor poeta brasileira da atualidade: Sônia Elizabeth.
Nos últimos anos publicou mais quatro livros de poesia: “Sinfonia Natural”, “Tecelã de Palavras”, “Aquarela em Preto e Branco” e “A Lírica Poética da Manhã” que chega. São títulos com conteúdo belíssimo e cheios de nuances de alta voltagem poética, capazes de eletrizar o leitor e levá-lo a repensar as questões de fama, sucesso versos qualidade.
Sônia Elizabeth há muito já merecia seu lugar no pódio da literatura, pois sua poesia não deixa nada a desejar para outras poetas brasileiras muito badaladas, como Adélia Prado, Hilda Hilst e Orides Fontela, por exemplo.
Versos tocantes e comoventes como:
“É pela vida que navego
E vou levando o barco.
Chuva fina ou tempestade
Acontecem.
Sempre pelo desafio
De ir-me por águas
Nem sempre calmas,
Nem sempre convulsivas.
Apenas águas.
Que me comovam
Ou lavem a alma
Não importa;
O exercício é o doce
Navegar na vida
E levar o barco
(às vezes à deriva).”
(Sônia Elizabeth, 2018, página 46)
Ou neste tom de magia diante do sono em que vivemos:
“Pensava em delírios
quando a noite chegou
com sua realidade fecundante.
Tinha trazido balaio
frutas secas
perfumes.
Tinha trazido
o que me sobrava.
Mas a noite cismou
de desvirginar minha espera.
Fiquei mole e sem ritmo
antes da hora.
Até que despertei.”
(Sônia Elizabeth, 2019, página 34)
Há ângulos de leitura e entendimento diversos, o que enriquece sobremaneira a escrita poética. Os poemas de Sônia Elizabeth caminham no equilíbrio entre a contenção e o derramamento, sobressaindo uma linguagem rica e desafiadora.
Outro exemplo de trabalho de alto nível está no poema que abre o premiado livro “A Lírica Poética da Manhã que Chega”:
“Ficou-me o desengano
Da noite manceba e fria.
Eu nem desaguei a última lágrima,
Não antevi o dilema dos loucos,
Pouco ou nada previ da vida.
Estive incinerada na vala comum
Dos seres que não raciocinam.
Sabiam-me poeta à margem
Dos ritos da divindade.
Sou o meio termo entre jornada
Que acaba e não principia.
Não sabem de mim os mortais,
Pois que medro em qualquer esquina.
Profundamente no caos ou abandono,
Inda assim destilo rimas
E sou lírica até os ossos.
Nenhuma vaidade me subestima.”
(Sônia Elizabeth, 2022, página 9)
Cronista de mérito, é na poesia, no entanto, que tem alcançado alta realização. Se ainda não possui todo o reconhecimento que merece, jamais deixou de trabalhar as palavras poéticas.
A leitura de sua obra, do conhecer seu trabalho, torna-se, de maneira imperiosa, uma forma de fazer justiça à sua mensagem poética poderosa, tão forte e bela.
Elias Antunes, prosador, poeta e crítico literário, é colaborador do Jornal Opção.
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