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“Neve”, de Orhan Pamuk, é obra digna de um Prêmio Nobel de Literatura

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Mariza Santana

Um poeta turco exilado na Alemanha retorna ao país natal e segue para Kars, uma cidade situada na região Nordeste do país, na fronteira com a Geórgia, sob o pretexto de escrever uma reportagem sobre jovens mulheres que se suicidaram diante da determinação de descobrir a cabeça e se livrar do véu que usavam como vestimenta do islamismo. Quando, Ka, este é o nome do protagonista, chega em Kars, uma forte nevasca deixa a localidade ilhada por três dias.

Neste curto período de tempo, o poeta testemunha um assassinato e um golpe militar, se apaixona perdidamente e ainda se envolve com várias personagens locais, como um jovem estudante islâmico, o dono de um jornal que escrevia reportagens de fatos que ainda iriam acontecer, um extremista muçulmano procurado pela polícia, um ator de teatro ferrenho defensor de Atartuk (o pai da Turquia moderna), um candidato a prefeito, entre outras figuras.

Orhan Pamuk, escritor e crítico literário turco: Nobel de Literatura | Foto: Reprodução

Este é, em linhas gerais, o enredo do livro “Neve”, do escritor turco Orhan Pamuk, que foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura de 2006, e talvez seja sua obra literária mais emblemática. Por isso, a história é tão complexa. Mas é possível perceber que o autor fez da cidade fronteiriça de Kars uma espécie de microcosmo da Turquia, com seus embates entre modernismo e tradição, secularismo e religiosidade, além de seus golpes militares, instabilidades políticas e regimes autoritários.

Perdidamente apaixonado por Ipek, uma antiga colega de escola em Istambul que agora mora em um hotel da cidade com o pai, proprietário do estabelecimento, e a irmã mais nova, Ka subitamente experimenta uma produção prolífica de poemas em apenas três dias, além de se ver totalmente envolvido nos acontecimentos políticos locais, onde também transitam militantes curdos, em construções armênias e russas abandonadas, o que demonstra que a cidade de Kars foi um local de muita história, invasões e ocupações de povos diferentes ao longo do tempo.

Presente em toda a obra, a neve cai sobre a cidade incessantemente, não impedindo acontecimentos como espionagem, traição, mortes e extremismos de todos os lados. Aqui abro parênteses. Imagine a contradição de ler um livro denominado “Neve” no mesmo período em que o calor inclemente do Centro-Oeste goiano (fruto das mudanças climáticas do planeta) nos brindava com temperaturas ao redor de 40 graus centígrados. Mas foi o que ocorreu, enquanto a obra-prima de Pamuk (talvez uma delas) falava do frio intenso, das árvores congeladas e das nevascas constantes sobre a cidade fronteiriça turca.

“Neve” é daqueles livros onde os acontecimentos relatados pelo protagonista vão se desenrolando rapidamente, capítulo a capítulo, com muitas surpresas e reviravoltas. No final do romance, o próprio Pamuk se torna personagem, pois ele vai a Kars rememorar os últimos passos de Ka naqueles intensos três dias. Ele se apresenta como amigo do poeta, mantém contatos com personagens que conviveram com o poeta, como Ipek, sua amada musa. Uma grande sacada literária.

Orhan Pamuk é atualmente o principal escritor turco, com obras traduzidas em mais de 40 línguas. Ele nasceu em Istambul em 1952. Foi apontado pela revista “Time” com uma das pessoas mais influentes do mundo. O romance “Neve” recebeu os prêmios Medicis e Méditerranée Etrangé, na França. Outras obras de sua autoria de destaque são “Istambul” e “O Museu da Inocência” (confira link abaixo), sobre a quais escrevi resenhas literárias para o Jornal Opção, fazendo com que o escritor turco se tornasse um dos meus favoritos.

Mariza Santana é jornalista e crítica literária. Email: marizassantana@gmail.com

Leia sobre o romance O Museu da Inocência

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