Incêndios poluíram o ar de todas as capitais do Brasil, exceto uma
Deutsche Welle
Por dias seguidos, o sol apareceu vermelho em Brasília (DF), por detrás de uma camada cinza de fumaça e fuligem. Mais de 6% da área do Parque Nacional, situado a poucos quilômetros do centro da capital, pegou fogo. O incêndio teve origem criminosa e se alastrou com muita facilidade, às vezes de forma subterrânea, passando por baixo de rios, queimado matas de galeria do cerrado a partir da raiz.
A mesma neblina cinzenta cobriu Porto Velho (RO) nos últimos dias, só que vinda dos megaincêndios que se alastram pela região amazônica, que sofre com a estiagem e com os efeitos do desmatamento. A taxa de incêndios na floresta dobrou em relação a 2023 – foram mais de 30 mil focos de queimada de 1º a 16 de setembro, ante 26 mil em todo o mês no ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Não é preciso estar perto do fogo para sofrer com a fumaça. Moradores de Porto Alegre (RS), que há quatro meses estava parcialmente submersa devido às fortes chuvas que arrasaram o estado, lidam com a dificuldade de respirar e com o fenômeno da “chuva preta” – nuvens carregadas de água se juntaram à fuligem de queimadas ao norte.
No dia 13 de setembro, a concentração de partículas finas no ar da capital gaúcha chegou a ficar 394% superior à média registrada para setembro entre 2017 e 2023. Ou seja, o ar ficou quase quatro vezes mais poluído do que a média dos últimos sete anos para o mês.
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O dado é do Copernicus, programa de monitoramento de mudanças climáticas da União Europeia (UE), que verifica, entre outros indicadores, a concentração no ar de material particulado fino do tipo PM 2,5 – poluentes com diâmetro inferior a 2,5 micrômetros.
De acordo com análise feita pela DW dos dados registrados pelo Copernicus de 11 a 18 de setembro, praticamente todas as capitais brasileiras tiveram alguma piora em relação aos registros anteriores para o mês, com exceção apenas de Teresina (PI).
O serviço de monitoramento faz estimativas diárias da qualidade do ar no mundo a partir de observações por satélites e simulações computacionais da atmosfera semelhantes aos modelos usados para previsão meteorológica.
Maior concentração de material particulado no ar
Minúsculas partículas de poluentes suspensas no ar podem ser inaladas e penetrar a região torácica do sistema respiratório, causando problemas de saúde. Para a Organização Muncial de Saúde (OMS), o “nível seguro” dessas partículas é de 5 microgramas por metro cúbico.
A cidade de São Paulo conquistou o título de metrópole com a pior qualidade do ar do mundo na semana passada, com o ápice de 81 microgramas de PM 2,5 por metro cúbico no dia 10, de acordo com medição do site suíço IQAir, que usa outra metodologia. O indicador estava 15,2 vezes acima do limite recomendado pela OMS.
De acordo com o Copernicus, o pico de poluição na capital paulista em setembro até agora foi registrado um dia antes, no dia 9, quando o ar de São Paulo estava 143% mais poluído que a média dos últimos sete setembros. No dia 10, esse índice era de 89%.
O monitoramento europeu apontou que Porto Velho e Rio Branco tiveram os piores índices de concentração de material particulado fino nos dias analisados pela DW.
Um problema de todos
Em Campo Grande e outras cidades de Mato Grosso do Sul, o ar chegou a ficar quase 17 vezes mais poluído do que o limite estipulado pela OMS. De acordo com o Copernicus, o ar da cidade chegou a ficar 372% pior que a média no dia 15 de setembro. A densa névoa que cercou a capital sul-matogrossense veio de incêndios no Pantanal, além de queimadas na Bolívia, Paraguai e no Norte brasileiro.
O problema das queimadas não está limitado ao Brasil. A América do Sul quebrou o recorde de incêndios anuais no dia 11 de setembro. Segundo o Inpe, que analisou dados de satélite, foram registrados até aquele dia 346,1 mil focos de queimada somando todos os 13 países sul-americanos, ultrapassando o recorde registrado para o período em 2007, de 345,3 mil casos.
O Brasil sozinho bateu a marca de 180 mil focos de incêndio em 2024, totalizando mais de 224 mil km² de área queimada até o final de agosto – quase o tamanho do estado de São Paulo.
O programa europeu de monitoramento frisa ainda que o problema da poluição do ar não é local, uma vez que as partículas podem viajar milhares de quilômetros pelo céu, transportadas pelo vento e nuvens.
O calor e a seca históricos, impulsionados pela crise climática, são os principais responsáveis por essa temporada asfixiante no Brasil e na América do Sul.
Especialistas afirmam que o cenário poderia ter sido aliviado, com mais ações preventivas e de fiscalização. Destacam ainda que a falta de recursos e de coordenação de ações pelo governo federal favoreceram as queimadas e a propagação da fumaça pelo país.
Para a coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, o combate ao fogo deveria ter sido elevado a um “verdadeiro problema nacional”.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu que o país não estava preparado para as queimadas e sugeriu que a profusão de incêndios no país seja fruto de uma ação orquestrada. Ele autorizou, por medida provisória, um crédito extraordinário de R$ 514 milhões para ações de emergência e combate aos efeitos dos incêndios florestais e da estiagem na Amazônia.
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