Primeiro no Brasil, Batalhão Maria da Penha de Goiás monitora mais de 97 mil medidas protetivas em 2024
Primeiro do país, o Batalhão Maria da Penha é uma unidade da Polícia Militar de Goiás (PM-GO), especializada em combater a violência contra a mulher. Nomeado em homenagem à Lei Maria da Penha, essa unidade se dedica ao acompanhamento de medidas protetivas de urgência, atuando de maneira multidisciplinar para assegurar a segurança e o bem-estar das vítimas. Em outra iniciativa pioneira, a patrulha Maria da Penha foi a primeira polícia do país a ter um sistema próprio e integrado de gestão das medidas protetivas.
Comparando os dados do primeiro semestre de 2023 com os de 2024, a Polícia Militar realizou um aumento de 330% nos acompanhamentos de medidas protetivas, passando de 28 mil para 97 mil atendimentos. “O crescimento expressivo na produtividade tem sido fundamental para a redução dos casos de feminicídio, mostrando que o aumento na qualificação do efetivo e o acompanhamento mais rigoroso das medidas protetivas têm gerado resultados positivos na proteção das mulheres”, explica a major Dyrlene Seixas Santana, comandante do Batalhão Maria da Penha.
Além de comandante, Dyrlene é também coordenadora estadual das patrulhas Maria da Penha, que estão localizadas em todo o estado de Goiás, alcançando os 246 municípios. Para major Dyrlene, que está na polícia há 19 anos, a estruturação dos núcleos no interior do estado foi fundamental para a gestão dessas patrulhas, permitindo um atendimento mais próximo e eficiente.
“Hoje, com o auxílio de um sistema informatizado, é possível monitorar o atendimento em qualquer cidade, verificar se há visitas atrasadas e gerar missões diárias, garantindo que nenhuma mulher fique desassistida”, afirma a militar.
A imagem abaixo mostra a interface do sistema de monitoramento de medidas protetivas de urgência (MPUs) em todo o estado de Goiás, totalizando 6093 registros, com 3003 medidas em andamento e 2874 revogadas. O sistema também informa que 29 medidas estão aguardando a primeira visita, 119 estão fora do estado, e 97 assistidas não foram localizadas. Não há atrasos registrados nas visitas, o que demonstra um acompanhamento rigoroso e eficiente dessas medidas.
Os casos de feminicídio, assassinato de mulheres em contexto de violência doméstica, caíram 31% em Goiás no primeiro trimestre de 2024, na comparação com o mesmo período de 2023, de acordo com a SSP-GO. O bom desempenho se deve, em grande parte, às ações integradas das Forças de Segurança do Estado.
Como o Batalhão Maria da Penha foi criado?
“A questão da violência violência doméstica contra a mulher é algo que, infelizmente, permeia a sociedade”, explica a tenente coronel Cláudia da Silva Lira, que acompanhou de perto a criação do Batalhão. Ela está na polícia há trinta anos e é atualmente a tenente coronel mais antiga entre as oficiais femininas na PMGO. A militar, que também é candidata a vice-prefeita de Goiânia junto com Sandro Mabel, conta ao Jornal Opção como foi uma iniciativa de mulheres que revolucionou o combate ao crime de feminicídio no estado e como era o combate a violência doméstica antes da legislação Maria da Penha, que veio em 2006 para resguardar o direito das vítimas.
“Entrei como soldado e uma das primeiras ocorrências que eu atendi, em 1999, foi de violência doméstica contra a mulher. Não existia uma lei. A gente já tinha essa essa demanda, mas não tínhamos a ferramenta adequada para se fazer o trabalho. Então eu tive essa oportunidade de atuar nisso. Posteriormente, com a sanção da lei em 2006, começaram algumas iniciativas”, relembra a tenente coronel Cláudia.
Ela conta que, durante os Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, teve a oportunidade de trabalhar em diversas ações, incluindo iniciativas de proteção à família, onde as primeiras ideias sobre a Lei Maria da Penha começaram a ser exploradas no Brasil. Naquela época, a sociedade estava no início da compreensão de como essa lei funcionaria na prática. Em 2013, Cláudia participou do desenvolvimento do primeiro procedimento operacional padrão voltado para o combate à violência doméstica contra a mulher em Goiás.
“Era um procedimento ainda muito inicial, pegando uma uma ocorrência de vias de fato? O que é vias de fato? É uma agressão física, podendo não deixar lesões e não chega a morte, mas é uma agressão física”, explica a tenente coronel Cláudia. Iniciou- se nesse momento a ideia da criação de uma ação especializada.
Em 2015, com a então major Silvana Rosa de Jesus Ramos, hoje coronel veterano, começou a estruturação da patrulha Maria da Penha. O Batalhão foi oficializado com a lei nº 20.868, sancionada pelo governador Ronaldo Caiado (UB) em outubro de 2020.
“Essa atuação iniciou aqui em Goiânia, na Região Noroeste. Junto com a Silvana, estava a tenente Daíse, hoje major, que também trabalhou durante todo o início. Foi uma ação pioneira no país e, em 2016, culminou com a comemoração dos 30 anos da polícia feminina no estado de Goiás”, conta a tenente.
Foi neste ano em que foi realizada a primeira turma de capacitação do curso das patrulhas Maria da Penha. As aulas eram ministradas para formação dos policiais que iriam compor essas patrulhas nas 24 regionais que haviam no estado de Goiás na época.
De acordo com o relato da tenente coronel Cláudia, havia uma dificuldade muito grande no início de onde estruturar as patrulhas. Inicialmente, a Maria da Penha foi direcionada para o batalhão escolar e ficou como um departamento do batalhão, onde havia também um departamento designado ao PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência). Atualmente, o Batalhão Maria da Penha está no comando do policiamento da Capital.
A tenente Cláudia foi Coordenadora Estadual do PROERD. Ela conta que nesse período, ainda em 2016, estruturou-se a coordenação estadual da Patrulha Maria da Penha. No ano seguinte, acontece, de fato, o Procedimento Operacional Padrão (POP) da Patrulha Maria da Penha. De lá para cá, tiveram algumas modificações e atualizações do documento.
“Temos ainda o desafio de capacitar efetivamente todos os policiais para que, diante de uma situação como essa, possam realizar o primeiro atendimento e prestar o apoio necessário. Mesmo que o policial não faça parte da equipe do Batalhão Maria da Penha, ele precisa estar preparado para lidar com todo tipo de situação”, destaca Coronel Cláudia.
Cláudia da Silva Lira, natural de São Gabriel (RS) e com 52 anos, está na PM-GO há 30 anos e é também diretora financeira da Fundação Tiradentes, que representa os servidores. Moradora do Jardim Guanabara e evangélica da Igreja Assembleia de Deus Ministério Independente, é casada, mãe e avó. A militar já atuou como Coordenadora Estadual do PROERD, Comandante do Centro de Polícia Comunitária e Comandante do Centro de Assistência Social.
Como é a atuação dos policiais?
Quando ocorre um caso de violência doméstica, o primeiro atendimento é realizado pelo policial que está de plantão. Se necessário, a equipe especializada do Batalhão Maria da Penha é acionada. A vítima então faz os registros e denúncias na delegacia. Atualmente, no estado, em menos de 24 horas, a mulher já recebe a medida protetiva. Nesse momento, o Batalhão Maria da Penha assume o acompanhamento, garantindo que as medidas protetivas sejam efetivamente cumpridas.
Hoje, em todos os 246 municípios de Goiás, seja na zona urbana ou rural, as mulheres com medidas protetivas recebem acompanhamento efetivo. Além disso, as políticas públicas têm um papel fundamental nesse processo. A presença constante da viatura na porta da casa da vítima, explicando os termos da medida protetiva, é apenas parte desse apoio. As mulheres são informadas sobre a importância de registrar qualquer descumprimento das medidas por parte do agressor.
Além disso, a comandante do Batalhão Maria da Penha conta que os policiais aproveitam esse contato para conectar as mulheres aos programas sociais do governo, como o “Goiás por Elas”, que oferece benefícios como aluguel social e cursos da Secretaria da Retomada. “Se a mulher precisar de apoio jurídico, há a NUDEM (Núcleo de Defesa da Mulher), oferecido pela Defensoria Pública. Esse trabalho de conscientização sobre as políticas públicas disponíveis é essencial, e muitas vezes, acompanhamos as mulheres até a DEAM (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), mesmo quando não há flagrante, para garantir que todos os procedimentos sejam seguidos”, destaca major Dyrlene.
As equipes do Batalhão Maria da Penha sempre atuam em dupla, composta por um policial feminino e um masculino. Embora todos os policiais tenham a capacidade de realizar atendimentos relacionados à violência doméstica, graças ao treinamento padrão recebido na academia, os policiais que integram o Batalhão Maria da Penha possuem uma capacitação adicional. Eles passam pelo Curso Operacional Maria da Penha (COMAP), que os prepara especificamente para oferecer segurança e acolhimento às mulheres vítimas de violência.
Em 2023, foi realizado o primeiro Curso Operacional Maria da Penha. No primeiro semestre de 2024, quatro turmas foram formadas, totalizando mais de 200 policiais em todo o estado que passaram pelo curso. “Durante o COMAP, os policiais tiveram aulas de ética, abordando o atendimento às mulheres sem revitimização, além de estudos sobre a Lei Maria da Penha, o Procedimento Operacional Padrão (POP) e uma disciplina sobre rotina administrativa”, explica major Dyrelne.
Ao oferecer esse suporte, outras mulheres percebem que têm apoio e também são encorajadas a denunciar. Quanto mais as vítimas recebem medidas protetivas e são acompanhadas, mais as policiais conseguem reduzir os casos de feminicídio. Esse acompanhamento contínuo incentiva as mulheres a denunciar as primeiras violências, evitando que a situação se agrave.
“Quando falamos de feminicídio, é raro que ele seja a primeira manifestação de violência. Geralmente, é o resultado de um ciclo contínuo de violência psicológica, que pode evoluir até a agressão física. Se a mulher denuncia essa violência inicial e consegue receber a proteção adequada, podemos intervir antes que o ciclo chegue ao extremo”, pontua major Dyrlene.
Com o avanço da tecnologia, o processo de acompanhamento das medidas protetivas se tornou mais eficiente. Anteriormente, tudo era registrado em papel, dificultando o controle e a resposta rápida. Hoje, com um sistema informatizado, é possível acessar informações em segundos, como a última visita a uma mulher sob proteção, e monitorar o cumprimento das medidas protetivas em tempo real. Além disso, o aplicativo “Mulher Segura” está em pleno funcionamento em todos os municípios, permitindo que denúncias sejam feitas de maneira rápida e segura.
O aplicativo “Mulher Segura” proporciona um acionamento rápido, fácil e sigiloso. A mulher pode acionar o pedido de ajuda sem que o agressor perceba, especialmente em momentos críticos de violência.
“Em situações de emergência, ao tentar ligar para o 190, a vítima muitas vezes está emocionalmente abalada, chorando, o que pode dificultar a comunicação e prolongar o atendimento. Com o aplicativo, no entanto, todo o processo é simplificado: basta dois cliques—um para iniciar e outro para confirmar a localização—para que o pedido de socorro seja enviado. A maioria dos acionamentos atualmente é feita diretamente pela central do aplicativo, tornando o atendimento mais ágil e eficaz”, aconselha major Dyrlene.
Bacharel em Direito, a Oficial possui pós-graduação em Gerenciamento de Segurança Pública.tendo construído sua trajetória como Chefe da P/3 do Comando da Academia de Polícia Militar, Subcomandante do Colégio Estadual da Polícia Militar – Hugo de Carvalho Ramos e Chefe da Subseção de Imprensa da PM/5. Major Dyrlene é casada e mãe de 2 filhos.
Como manter a saúde mental?
O Jornal Opção questionou como as militares conseguem se blindar das situações de violência enfrentadas no dia a dia e manter uma boa saúde mental. “Nós já enfrentamos muitas situações ao longo do tempo. Eu, com 30 anos na polícia, e Dyrlene, com 19, lidamos não apenas com as dores das mulheres, mas também com as dos policiais militares. Ambos já fomos chefes do Centro de Assistência Social da Polícia Militar”, iniciou a tenente coronel Cláudia.
“Para mim, a família é a base de tudo. Por isso, acredito que é fundamental estar sempre ao lado da família, valorizar os amigos, respirar fundo e ter empatia. No entanto, é importante ter em mente que não podemos absorver totalmente as dores dos outros; precisamos nos manter fortalecidos. Buscar uma saúde ampla envolve cuidar da saúde mental, do bem-estar espiritual e contar com uma rede de apoio”, aconselha a tenente coronel.
Para ela, é necessário fazer a diferença sem permitir que situações difíceis nos atinjam a ponto de comprometer nosso trabalho. “Para quem lida diariamente com desafios, como nós policiais, que enfrentamos a violência contra a mulher, ou qualquer policial militar que atua na sociedade, é essencial ter uma rede de apoio sólida e consolidada em nossas vidas. Eu procuro manter essa rede de apoio para me fortalecer e estar bem, de modo a prestar um bom serviço”, destaca a tenente coronel Cláudia.
Major Dyrlene explica que quando chegam a uma ocorrência, a primeira coisa que os policiais precisam ter é empatia com a mulher envolvida. Muitas vezes, é comum ficar chocado com a condição em que ela se encontra – machucada, ferida e assustada – mas é preciso se manter firme.
“É difícil, o coração fica apertado, mas é essencial acolher essa mulher e, ao mesmo tempo, mostrar firmeza para que ela se sinta segura.Ela já está desmoronando emocionalmente, então é nosso papel oferecer apoio naquele momento. Fazemos todo o atendimento necessário, damos o amparo que ela precisa, mas o desafio maior vem depois, quando o trabalho está concluído. Precisamos ir para casa e tentar esquecer, porque a família também precisa de nós”, explica major Dyrlene.
Contato com o Batalhão
Para mulheres que se sentem violadas, abusadas ou agredidas, o contato com o Batalhão pode ser feito pelo whatsapp, aplicativo ou presencialmente, no setor Coimbra, próximo ao supermercado Hiper Moreira, em Goiânia. O contato pode ser feito pelo número (62) 9 9930-9778.
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